Há quem diga que todos os mistérios em relação ao sexo, a sensualidade e ao desejo entre duas pessoas já foram decifrados. Também há quem acredite que o erotismo e os seus segredos são posturas antiquadas diante do atual contexto de liberdade sexual. No entanto, essas crenças desmedidas parecem não afetar Laura Zacura. Aos 47 anos, a escritora que nasceu em Santa Cruz do Rio Pardo, interior de São Paulo, e atualmente vive em Israel, acaba de lançar o Da Gaveta, seu primeiro livro de poemas eróticos.
Além de ser formada em Artes Cênicas e Artes Visuais pela Universidade Estadual de Campinas, Laura sempre foi uma mulher apaixonada pela literatura. Em 1994, após voltar de uma viagem à Israel, leu A Obscena Senhora D, de Hilda Hilst, e se identificou com a personalidade insana de Hillé, protagonista da obra. Em seguida, adaptou o livro para o teatro em parceria com Veronica Fabrini. Nesta época, a autora Hilda Hilst vivia na Casa do Sol, uma chácara na região de Campinas. Laura levou a adaptação para Hilda e ela adorou.
As duas tornaram-se amigas e confidentes. Laura passou a frequentar a Casa do Sol e a partilhar do universo literário em que estava imersa Hilda Hilst. Mas ela ainda não se dedicava a escrita e aos poemas. Um tempo depois Laura mudou-se novamente para Israel.
Mais tarde no Canadá, trabalhou com Larry Tremblay criando um vestuário para a peça Antígona. Também trabalhou com companhias de dança e teatro na moderna cidade oriental de Tel Aviv. E hoje de forma desposada e elegante lança ao lado de escritores como Fernando Bonassi (roteirista do filme Cazuza – O tempo não para) o livro de poemas eróticos Da Gaveta, na Coleção Rascunho, da editora Coruja.
Com influencias na obra de Ana Cristina César e Hilda Hilst, o livro é um dialogo contínuo e franco de Laura com os seus desejos e sentimentos mais íntimos. Que incita de forma deliciosa e sensível não só o erotismo que há em cada um, mas também a atração pela vida. Em entrevista ao Homo Literatus, a poeta desnuda algumas questões. Fala sobre a diferença entre erotismo e pornografia, sobre a sua amizade com a escritora Hilda Hilst e também sobre a excessiva liberdade sexual dos dias atuais.
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Como surgiu a ideia de escrever o Da Gaveta?
LS: Foi o escritor Lucas Arantes quem desencadeou todo o processo. Eu sempre colocava alguns poemas meus no Facebook e um dia ele me perguntou se eu me importava de mandar alguns pra ele ler, porque curtia o que eu estava escrevendo. Eu mandei 70 poemas. E então começou a saída do Da Gaveta.
Antes do Da Gaveta, a editora Coruja publicou um poema seu chamado A Fada Safada, como surgiu a ideia de escrevê-lo?
LS: Eu estava sentada na Bahia, numa pousada, um cara veio e sentou do meu lado, e eu vi um pé com uma sandália assim de israelense e eu pensei “meu deus, porque isso tá acontecendo…”. Porque eu senti que tinha uma coisa forte ali, sem olhar pra cara dele. Era o desejo na forma mais forte que eu havia encontrado até aquele momento. Aí eu quis entender isso desenhando, escrevendo. Eu quis entender a dimensão do desejo, a dimensão do tesão. Eu era jovem ainda e eu encontrei esse dragão, que por acaso é o meu marido. Eu estava pronta pra me queimar, por que a fada infelizmente acaba engolida pelo fogo do dragão. E depois vieram me falar mil coisas, que isso não é feminista, isso é muito machista, isso não é erótico…
E como você responde a crítica de que o A Fada Safada não é feminista?
LS: Pra mim, se não é feminista é muito feminino. Eu quis ir de encontro ao fogo, de encontro ao desejo, de encontro sem medo com o que eu estava sentindo. Eu acho que isso não é feminista e nem machista, eu acho que isso é um ideal se sinceridade comigo própria.
Então o feminismo não é feminino?
LS: É uma boa pergunta. Eu acho que o feminismo pode não ser feminino. O feminismo pode ser muitas vezes machista. Aquela coisa de levar bandeira, de colocar bandeira. Agora tem uma coisa renovada, não é nem feminismo e nem machismo. Eu acho que é outra concepção do ser mesmo. As pessoas estão começando a compreender que extremos não levam a nada.
Como você distingue a pornografia do erotismo?
LS: Então, quando eu conheci a Hilda ela disse: “Ah, eu vou fazer grana, eu vou fazer pornografia”. Ela estava escrevendo O Caderno Rosa de Lori Lamby. Ela me deu e eu li, falei, Hilda, o que é isso? E ela disse: “Ah, uma pessoa muito influente da mídia francesa leu, gostou, e aceitou”. Na época eu não tive maturidade pra entender que a pornografia não era uma literatura menor, mas sim uma literatura diferente. E infelizmente o ser humano quer uma pornografia rápida, ele não quer mais o erotismo, pois erotismo é demorado. O erotismo tem o seu mistério. E a pornografia não, a pornografia diz ela foi lá chupou, ele foi lá e fez.
Fale mais sobre a Hilda Hilst.
LS: Eu cheguei de Israel e li o livro A Obscena Senhora D e me identifiquei muito com a personagem principal chamada Hillé, que em Hebraico significa doente, louca, próxima a insana. Eu mostrei o texto para a Veronica Fabrini e ela adaptou para o teatro e fomos levar para a Hilda ver, e ela adorou e falou podem fazer. Então começou uma amizade. Eu ia pra casa do sol. E nós conversávamos muito. E ela falava “Pô, Laura, escreve, você está fazendo o que? Escreve”. E eu falava não, eu pinto, danço, faço teatro, mas não escrevo. E ela contava tudo o que estava lendo, lia o que estava escrevendo. Me consultava. Quando eu estava em Israel ela estava escrevendo Do Desejo, ela me chamou pra eu ler e gravar um poema eu vim gravei… Ela era contra eu ficar em Israel, ela dizia “Você vai acabar morta lá. Eu previ eu senti que o fim do mundo vai começar em Israel. O terceiro milênio, a terceira guerra…”. A personalidade dela me atraía. Chegavam oito horas da noite ela dizia “Agora é hora do meu uísque e da minha novela”, e esquecia toda aquela áurea de literatura e poemas e começava a assistir novela na TV. A Hilda era muito especial, eu acho.
Hoje em dia fala-se de sexo na TV, nas ruas, nas escolas, no trabalho e em todos os lugares. O sexo se tornou algo tão banal quanto ir ao supermercado fazer compras. Você acha que toda essa liberdade sexual põe em risco a existência da poesia erótica? Já que aparentemente não há mais segredos e mistérios em torno do sexo?
LS: De forma alguma. Primeiro, eu tenho sérias dúvidas em relação a essa liberdade sexual. O quanto realmente ela é real, o quanto ela é moda, se é um produto criado pela mídia. Por exemplo, todo mundo fala que Tel Aviv virou o centro dos homossexuais. Eu acho isso bacana, eu acho que isso é livre, todo mundo está lá assim. Mas ainda vejo muitas pessoas não assumirem a sua homossexualidade ou a sua bissexualidade e também a sua heterossexualidade. De repente, ser heterossexual crie certo preconceito. Pois você não está mais dentro desta liberdade. Você liga a televisão em uma novela do Brasil e a mulher saiu com o marido da outra, a outra saiu com o marido dela, daí trocam os casais… É patético quase. Porque onde é que está o relacionamento humano? Nós somos seres humanos, temos o mínimo de relação assim. Mas eu não acho que a poesia erótica vai desaparecer e nem que vão perder interesse na literatura. Tem aquela música do Caetano “todo mundo quer saber com quem você se deita”. Isso é uma fantasia erótica. Todo mundo quer saber com quem você se deita. Com quem o outro foi. O que o outro faz na cama. E isso tudo já pode gerar uma poesia, a própria curiosidade de saber do outro.