Uma volta pelos espetáculos e atrações da sexta edição do MIRADA – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, realizado em SP.
O que é o MIRADA?
Aconteceu em setembro o MIRADA – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas. O festival existe desde 2010, realizou até agora 6 edições e, em 2020, durante a pandemia da Covid-19, teve seu evento suspenso. Este ano, vacinados e esperançosos de dias melhores, MIRADA 2022 aconteceu presencialmente nas cidades de Santos (SP) e São Paulo (SP). Pude assistir 4 peças, presenciar uma instalação e uma performance.
Erase
Cheguei a Santos em um sábado de chuva e corri para o Sesc Santos, onde me deparei com filas e mais filas. Os ingressos estavam concorridos, a maior parte já esgotados, denotando a ânsia em compartilhar teatro com nossos companheiros de arte latino-americanos. Minha primeira peça foi Erase, do diretor Gustavo Tarrío.
O espetáculo, diferente do ritmo que estamos acostumados a sentir nas peças brasileiras, começa com os atores e as atrizes dispostos em cena. Inicia-se uma espécie de jogral em que cada um cita o nome e as referências de estudiosos de diferentes áreas. Depois de alguns minutos, a peça ganha movimento maior, e a expressão corporal que o jovem elenco exibe ganha a cena e a plateia. Movimentos simétricos com a música, interagindo com as falas e interpretações, são o destaque da peça. No texto, há questionamentos sobre ser mulher na sociedade, ditadura civil militar argentina e religião.
Viagem a Portugal
Logo depois, corri para outra fila e assisti à belíssima peça Viagem a Portugal, do consagrado grupo Teatro do Vestido. A peça propõe discutir sobre viagens e viajantes que marcaram a identidade de Portugal hoje. O espetáculo é extremamente poético, porém, a dramaturgia deixa a nós, brasileiros, uma vontade de relacionar a história dos colonizadores com a nossa história. Com uso excessivo de câmeras, a peça utiliza-se o tempo todo do audiovisual. Interpretação madura e pontual, a peça corre sutilmente, sem grandes ápices.
Theatrumcorpusmundi
No dia seguinte, percorri a instalação theatrumcorpusmundi, com curadoria e concepção de Ricardo Muniz Fernandes, Christine Greiner e Ana Kiffer, sobre Antonin Artaud. A obra impacta ao revelar a essência de seu teatro em paralelo com a visão de outros pensadores como Zé Celso e Ailton Krenak. Crueldade, entrega, loucura, corpos, conexão… As palavras protagonizam a exposição: elas estão nas paredes, no chão, suspensas no teto expondo frases e fases menos conhecidas de Antonin Artaud e suas ideias.
A forma e os recursos utilizados pelo artistas para criar essa instalação são criativos e convidativos ao olhar, ao pensamento e ao movimento do corpo, conforme caminhamos entre a obra.
Cavalo Balibab
Na manhã do sábado, no mesmo espaço, em contraste chocante com a instalação, inicia-se a performance Cavalo Balilab, da Cia Mundu Rodá e Fabiana de Mello, apresentando elementos do cavalo-marinho e da máscara balinesa através de diversos personagens que se revezam em cena. Um resgate de duas culturas que, apesar de geograficamente tão distantes e aparentemente distintas, causaram um efeito estético em conjunto que enalteceu a obra de forma geral, encheu os olhos dos adultos de beleza e criatividade e, as crianças, de risadas.
Teatro Amazonas
Voltemos para a cidade de São Paulo. O festival sobe a serra, e o “Extensão Mirada” leva espetáculos internacionais à capital. E foi no Sesc Vila Mariana, com o espetáculo Teatro Amazonas, idealizado pela coreógrafa espanhola Laida Azkona Goñi e o videoartista chileno Txalo Toloza-Fernández, que tive uma das experiências mais marcantes da minha jornada no Mirada. Através de artes híbridas com recurso do audiovisual, artes plásticas, teatro documental e uma interpretação pontual e precisa, de acordo com a linha cênica proposta, o espetáculo retrata as mudanças que a Amazônia sofreu e sofre, especialmente no governo atual.
A partir de marcos cronológicos da história do Brasil, a peça narra uma trajetória colonialista e capitalista repleta de devastação, exploração e crueldade, em que os povos indígenas originários são os maiores prejudicados. O ponto de partida para o olhar dos artistas sobre a Amazônia foi a carta escrita por líderes de diferentes tribos indígenas destinada ao presidente do Brasil. A beleza poética com que essa história cruel é narrada, junto à construção do cenário que se dá aos poucos, a cada passagem do tempo e a cada catástrofe, torna a peça tão necessária e urgente quanto bela e com inovações cênicas muito interessantes e surpreendentes.
Quando pases sobre mi tumba
Por último, em clima de despedida e de “volte logo”, assisti ao espetáculo Quando pases sobre mi tumba, do dramaturgo Sérgio Blanco. Este sim, bem ao ritmo costumeiro da nossa nação, recebeu o público no Teatro do Sesc Consolação com música ao vivo, aplausos e a sensação de estarmos em um show de ótima qualidade musical. Em um espanhol fácil de acompanhar, cheio de piadas que atravessaram as fronteiras e fizeram o público rir a todo momento, a peça uruguaia conta a história de três homens mortos. E são os próprios defuntos que se dispõem a contar suas mortes.
O personagem principal, o escritor Sérgio, decide se matar e, para isso, procura uma clínica de suicídio assistido. O médico que o ajuda a planejar sua morte, como quem se prepara para uma cirurgia pouco invasiva, torna-se também seu confidente. Após a morte, o médico descobrirá o que é real e o que é ficção na história contada por seu paciente. Muita música e bom humor nos guiam nessa peça que muito bem finalizou minha jornada cênica ibero-americana.
Conclusão: o teatro como resistência
A experiência de estar no Mirada 2022, este ano presencialmente, ressalta a necessidade de uma coligação entre os grupos de teatro, de pesquisas cênicas e de todos nós artistas para resgatar nossa identidade, nossa história (a não contada pelos colonizadores). E, com isso, a busca por uma forma que nos traga essa linha poética de resistência e nunca mais de submissão. Vida longa aos festivais!
Créditos HL
Esse texto é de Poliana Piteri Barroso para nossa coluna HL em Cena. Ele teve revisão de Raphael Alves e edição de Nicole Ayres, editora assistente do Homo Literatus.