O amor na linguagem musical de Taylor Swift

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O amor na linguagem musical de Taylor Swift

Uma dualidade entre o amor romântico e o amor realista parece emergir na linguagem musical de Taylor Swift.

Taylor Swift: Foto reprodução

Uma intérprete do “amor puro e genuíno”

O idioma grego antigo utilizava diferentes termos para definir o amor. Na Grécia Antiga, o termo “Ágape” era comum entre filósofos e significa “amor puro e genuíno”. Traduzindo para a linguagem apresentada nas músicas da cantora americana Taylor Swift, os exemplos variam desde o álbum Fearless  — por se tratar de amores platônicos e românticos  —  até o álbum 1989, que também possui conotações romantizadas contrastantes com elementos da maturidade das composições.

Embora as músicas de Taylor tenham evoluído até o Evermore, existem dois tipos de amor recorrentes nas letras: o amor romântico e o amor realista.

Taylor Swift: Foto reprodução

O amor romântico é um dos gêneros mais explorados tanto na música quanto no cinema, e engloba a fantasia de uma relação que persiste nos finais felizes, tal como é muito presente em subgêneros de “Amor à primeira vista” e “O amor conquista tudo”. Taylor definiu a música Fearless como uma maneira de demonstrar a coragem de se apaixonar, apresentando recursos visuais como a chuva: “Eu não sei porquê, mas eu dançaria com você em uma tempestade, usando o meu melhor vestido, sem medo”.

A união do “pulo de cabeça” em um encontro que resulta em uma dança na chuva e nenhum resquício de sentimentos contraditórios é uma alusão ao romance presente nessa composição. Em outro trecho, a canção relata a volta para casa e a agonia de estar com as mãos suando enquanto o tão esperado beijo acontece: “É o primeiro beijo, é impecável, realmente alguma coisa, é destemido”.

Romeu e Julieta

O romantismo valoriza a espontaneidade e a surpresa, escolhendo sempre representar esses elementos através do uso da imaginação e da fantasia. O exemplo mais comum desse amor na discografia de Taylor, e baseado em Romeu e Julieta, é a música Love Story. Os elementos visuais criam a atmosfera de um romance cinematográfico com as próprias palavras da cantora e referências ao livro “The Scarlet Letter” (1850), de Nathaniel Hawthorn: “Cause you were Romeo, I was your Scarlet Letter”.

Esse termo significa algo marcado em alguém que cometeu adultério. Em Love Story, o sentido é voltado para um segredo — enquanto Romeu era livre, ela ainda era alguém que precisava se manter escondida de sua família. No primeiro verso de Sparks Fly, Taylor retrata sua versão frágil e delicada como um castelo de cartas enquanto o affair é turbulento, ousado e inconstante como uma tempestade.

O refrão é a clássica representação de “se apaixonar” e tentar viver esse sentimento a qualquer custo: “Largue tudo agora, me encontre na chuva torrencial” e “Me dê algo que vai me perseguir quando você não estiver por perto”.

Conto de fadas

Outra narrativa do romantismo está na frase “Minha mente se esquece de me lembrar que você é uma péssima ideia”, por se ligar à vontade de estar cercado de um romance idealizado e se esquecer da realidade. A entonação de um conto de fadas em Enchanted também mostra uma versão romântica de Taylor por ser uma composição que lida com os sentimentos de duas pessoas presas no encantamento de estar apaixonado.

Em Speak Now, vemos o devaneio de Taylor ao invadir o casamento do ex-namorado para impedir que ele se case com a “garota errada”. A canção State of Grace é a ideia de introdução e conclusão do álbum Red, por relatar o amor de duas maneiras: mágica e devastadora. “Nós nos apaixonamos até que isso machuca e sangra ou desaparece com o tempo”.

A perda da essência

O quarto álbum de estúdio conta com uma discussão em torno da perda de essência, enquanto Taylor canta isso em frases como “Eu nunca vi você chegando e eu nunca mais serei a mesma”, no monólogo do clipe de I Knew You Were Trouble: “A pior parte de tudo isso não era perdê-lo, era me perder”. Em All Too Well: “Eu gostaria de ser quem eu era antes, mas ainda estou tentando encontrá-la”.

É um elemento presente no romantismo por se tratar da mudança para se encaixar no relacionamento perfeito. “State of Grace” é um estado em que a pessoa está sob influência divina. No caso dessa canção, Taylor descreve um mundo onde só os dois existem, e o amor é quase espiritual.

O amor como um vício

Em Don’t Blame Me, há a comparação entre se apaixonar e estar viciado. “Por você eu cruzaria a linha, eu perderia o meu tempo, eu perderia minha mente”. Na frase “Eu era a sua Hera Venenosa, mas agora sou a sua Margarida”, percebemos o contraste entre a imagem pública de Taylor como “heartbreaker” e uma mulher doce e devota, já que a Hera Venenosa é uma planta que causa inflamações enquanto a Margarida tem significado de pureza e inocência.

O uso de metáforas nas composições de Taylor é uma das principais características do romantismo. No álbum Lover, a música auto intitulada e single oficial é uma pura representação do amor romântico, usando adjetivos comuns no gênero de fantasia como “névoa deslumbrante” e “jeito misterioso” para descrever o affair e o refrão composto por “Posso ir onde você vai? Podemos estar sempre perto? Para sempre e sempre”.

Taylor Swift: Foto reprodução

Partindo do princípio de que o realismo trata de detalhes e objetividade com o objetivo de representar a realidade, o amor realista é, na maioria das vezes, isento da insistência por melhorias e tenta aceitar as pessoas como elas são. É uma caracterização menos emotiva e apaixonada que o romantismo.

A diferença entre o romantismo e o realismo no amor é que, enquanto um supera qualquer obstáculo em busca da felicidade plena  individual ou coletiva ,  o outro não se prende a esforços exuberantes. É uma catarse de perfeições que não se prende ao imaginário, e sim ao cotidiano, à autoestima e ao amor-próprio.

A dor da perda

Na música Death By a Thousand Cuts, Taylor compara um término com uma morte lenta e dolorosa. “Dizer adeus é como morrer por mil cortes”, quebrando todo o encantamento de persistir em uma possível reconciliação e enfatizando a dor de estar perdendo essa pessoa. “Desistiu de mim como se eu fosse uma droga ruim”, “Te dei muito, mas isso não foi suficiente, mas eu vou ficar bem, são só alguns cortes”. Essa é a representação de dar tudo de si e perceber que só amar não era o bastante e então deixar ir.

Um dos elementos que definem o amor realista de maneira simples e pura — ou verdadeiro amor — é o de “amar também é abrir mão”. Taylor sobrepõe metáforas em uma estrutura que diferencia essa música de outras do álbum. Em The Archer, o conflito é entre Taylor e suas inseguranças dentro e fora de um relacionamento. “Eu fui a caçadora, eu fui a presa. Quem poderia me deixar, mas quem poderia ficar?”.

A imagem de um arqueiro também é associada com “Cupido”, o deus Romano do desejo e afeto. O refrão contrasta entre como Taylor pode machucar e magoar e se permitir ser machucada e magoada. “Eu procuro pelo seu lado escuro, mas e se eu estiver bem, bem aqui?”.

Nosso lado obscuro

O “dark side” é, muitas vezes, representado pelo lado ruim e desconhecido de uma pessoa, uma parte que poucos conseguem enxergar. Nessa música, Taylor procura as partes ruins da outra pessoa em busca de uma razão para um possível término, mesmo que isso ainda não tenha acontecido. A simetria com o refrão e a realidade dos sentimentos de ambos. “Eles veem através de mim, eu vejo através de mim”. Ver “através” de alguém significa ter noção do que essa pessoa está fazendo e vê-la como realmente é sem ser enganado por isso, entender sua verdadeira natureza.

A frase, segundo Taylor, representa vulnerabilidade e desamparo por receio de deixar que outra pessoa se aproxime demais. O uso de outras metáforas como “todos os homens do rei” seguido de “não poderiam me colocar junto novamente” demonstram que ninguém pode salvá-la de suas inseguranças.

O uso das cores como metáforas

Ao longo da discografia, as percepções do amor variam e se encontram na apresentação de elementos sensoriais como as cores para definir determinados sentimentos. Em Daylight: “Eu pensava que o amor era preto e branco, mas é dourado. Eu pensava que o amor era vermelho ardente, mas é dourado” em contraposição com a canção Red “amá-lo era vermelho ardente”.

Aqui a ideologia “preto e branco” é a interpretação do amor nas músicas antigas, em sua maioria, voltada para o sentimento platônico, não correspondido ou visto em contos de fadas: ou tudo era bom, ou tudo era ruim, não existia meio-termo. Outra grande diferença é entre romance e amor: enquanto o romance é um sentimento, o amor é incondicional. A paixão é mantida durante o estado de euforia e está em constante estágio de “ida e vinda”, o amor requer esforços e precisa renascer todos os dias, como a luz do sol.

O vermelho ardente é a definição de uma paixão avassaladora — porém, pouco duradoura — embora o caminho até o amor passe por esse lado. No prólogo do álbum Red, “O amor verdadeiro brilha dourado como a luz das estrelas” é um contraste interessante com “É dourado como a luz do dia”. Taylor utiliza três recursos para representar a sua percepção de amor ao longo dos anos, do platônico ao romântico e enfim ao realista —  ou verdadeiro.

Efeito “espelho”

Em mirrorball, do álbum Folklore, Taylor se compara a um globo de discoteca: quando exposto à luz direta, causa um efeito de um “espelho” refletindo o lugar por inteiro, assim como dito no refrão “Eu vou te mostrar todas as suas versões”.

A canção enfatiza a vontade de ter os olhos de alguém sempre voltados para si. Em contrapartida, mostra como ela sempre se mantém no “trapézio” ou “corda bamba” para entreter outras pessoas e se reinventa a cada novo álbum para continuar deixando que vejam “através” dela. Em You Are In Love, encontramos o verso: “Uma noite ele acorda, um olhar estranho em seu rosto, pausa e diz ‘Você é minha melhor amiga’ e você sabe o que quer dizer, ele está apaixonado”.

Da paixão ao amor

Taylor reconhece a maneira realista e pura do amor. A representação disso está no uso do elemento visual de um acontecimento corriqueiro em que se percebe um sentimento inevitável, e a construção dele por meio de uma narrativa em terceira pessoa que explora os estágios de se apaixonar até amar verdadeiramente. Assim também acontece em It’s Nice to Have a Friend, que relata um “friends-to-lovers” e a amizade como ponto central para o avanço dos sentimentos.

O amor na linguagem musical de Taylor Swift é representado pela percepção de que não é sobre o quão duradouro e arrebatador pode ser, mas sim sobre quem está disposto a enxergar através — see right through — dos globos de discoteca e permanecer até a luz do dia.

Créditos HL

Esse texto é de Rebecca Rocatto para nossa coluna HL Sonoro. Ele teve revisão de Raphael Alves e edição de Nicole Ayres, editora assistente do Homo Literatus.

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