Poesia e poema são sinônimos? Não para Octavio Paz

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Poesia e poema são sinônimos? Não para Octavio Paz

Frequentemente, poesia e poema são tratados como termos sinônimos. No entanto, segundo Octavio Paz, em O arco e a lira, a poesia pode estar em tudo, mas o poema não pode

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Em sua obra-prima O arco e a lira, o crítico literário, poeta e ensaísta Octavio Paz volta seu olhar ao estudo da poesia e do poema, da criação poética e da história da poesia. No entanto, ao trabalhar com tais questões, sentiu necessidade de delimitar o que é, de fato, o poema e a poesia, termos costumeiramente tomados como sinônimos.

Para o estudioso, há poesia sem poemas. A poesia pode estar numa paisagem, nas pessoas, em fatos cotidianos, isto é, a poesia pode estar em nosso dia-a-dia em momentos, vivências e coisas que são poéticas. Ela pode acontecer por acaso, sem passar pelas mãos de um poeta e sua vontade criadora. Podemos nos deparar com o poético em acontecimentos simples, frutos do acaso.

O poeta, por sua vez, pode ser o fio condutor responsável por transformar a poesia (como uma paisagem, um acontecimento – belo ou não – etc) em elementos poéticos dispostos no poema. A poesia, por meio de um ser humano com intenções artísticas, transforma-se em produto humano ao adentrar no poema.

E o poema? O poema é obra literária, é criação artística e é linguagem erguida. Pode ser construído de acordo com regras métricas e rítmicas e pode possuir uma forma literária específica, como, por exemplo, o soneto. Entretanto, Paz defende que o poema não é uma forma literária em si, mas, sim, o ponto de encontro entre o ser humano (poeta e até o leitor) e a poesia. Poema, nesse sentido, é um organismo verbal, que pode conter, suscitar ou emitir poesia.

Paz ainda chama atenção para a questão de que, muitas vezes, a poesia é denominada a soma de todos os poemas de um determinado autor ou período. Na visão dele, isto é errôneo, uma vez que cada poema é único e irredutível. Não se pode reduzir criação poética à poesia.

O poema é um objeto único, permeado por uma técnica específica de cada poeta, a qual possui um estilo específico, marcado tanto pelo individualismo de seu criador quanto pela sua época, estilo literário de seu tempo e vivências sociais e históricas.

Cada poema é palavra e é história, único em uma totalidade de uma obra literária e, por meio dele, em maior ou menor grau, pulsa a poesia. Dentro do poema, a poesia é enxergada de acordo com aquilo que cada um carrega dentro de si, ou seja, o poema é uma possibilidade aberta a todos, e essa participação do leitor na leitura do poema é, por si só, algo poético. Ao reviver o poema, ao visitá-lo e revisitá-lo, o leitor faz uma viagem dentro de si e além de si.

Octavio Paz, em seu livro O arco e a lira, trabalha as definições de todo e qualquer termo de modo poético, o que até transforma a literatura em um ato trabalhoso, pois dentro de uma criação poética, cada palavra pode ter uma possibilidade infinita de significado e interpretações. Ele define poesia e poema tanto por meio de uma linguagem mais formal (transparecendo seu papel de crítico literário e estudioso da literatura) quanto por meio de uma linguagem poética (transparecendo a sua visão enquanto poeta acerca da poesia e do poema).

Para finalizar aqui esta matéria trazemos algumas de suas definições de poesia e poema de modo poético:

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O arco e a lira (Cosac, 2012)

“A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de mudar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos escolhidos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; retorno à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Prece ao vazio, diálogo com a ausência: o tédio, a angústia e o desespero a alimentam. […] o poema é um caracol onde ressoa a música, ecos, da harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. […] o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana!” (PAZ, 2012, p. 21)

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Referência:

PAZ, Octavio. O arco e a lira. Trad. Ari Roitman e Paulina Watch. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

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