Considerado o mestre do suspense, Hitchcock deixou uma herança valiosa para os diretores que lhe sucederam.
Poucas cenas do cinema foram tão marcantes quanto a do chuveiro em Psicose (1960) quando Marion Crane (Janet Leigh) é assassinada.
Hitchcock marcou seus espectadores não apenas com a épica trilha sonora que por si só já intensifica o suspense do momento do crime, mas também com os elementos visuais da cena que causam agonia aos espectadores, que anteveem o assassino se aproximando sem poderem intervir, e depois apenas assistem perplexos à vítima sucumbir.
O mestre do suspense era um ótimo professor quando se tratava de explicar sobre seus métodos e técnicas cinematográficas, por isso, uma de suas maiores lições são os Elementos do Suspense.
Ele era um grande crítico dos filmes que faziam revelações demasiadamente exageradas, intensas demais ou sem necessidade, por isso era contra cenas com sangue jorrando, sustos vindos do nada ou violências explícitas.
Hitchcock gostava da sutileza e sua narrativa carregava uma eloquência imagética. Ele seduzia os espectadores através de sugestões nas imagens, deixando a imaginação de quem assistia fazer o resto do trabalho, por isso não precisava necessariamente mostrar o que acontecia, apenas induzir os espectadores a se desestabilizarem com o que viam.
Em a Janela indiscreta (1954), podemos acompanhar o desespero de Jeff (James Stewart) que ao olhar para o apartamento em frente, juntamente com Stella (Thelma Ritter), testemunhou a aproximação do agressor Thorwald (Raymond Burr) de Lisa (Grace Kelly) sem que ela própria percebesse o perigo que corria.
Esse clima causado pela narrativa genial de Hitchcock intensifica o suspense do filme e, nesse caso, o desespero da cena é compartilhado pelo espectador e por parte dos personagens que sabem o que está por vir.
Mais do que a simples criação da expectativa e da tensão na cena, o objetivo das informações cruciais fornecidas para o espectador é o de alargamento do tempo fílmico, pois se estabelece uma demora insuportável até a conclusão trágica da cena.
Além disso, o cineasta proporciona uma compreensão dos eventos conflitantes e do espaço fílmico limitado pelos cortes rápidos, por meio de uma técnica de montagem que se chama “Efeito Kuleshov” que consiste em posicionar o rosto de um personagem sem expressão intercalado a imagens que atribuam significado ao espectador.
Mas além dessas técnicas minuciosas, um dos ensinamentos mais importantes que Hitchcock nos deixou para criar tensão em uma cena, que foi muito bem aprendido e aplicado por Tarantino, por exemplo, foi o que ele chamava de “A bomba embaixo da mesa”.
Essa técnica, como pode ser percebida mais acima nas cenas descritas, consistia em dar aos espectadores mais informações sobre a cena do que os personagens tinham, tudo em função de aumentar o suspense da situação.
Em uma entrevista ao diretor francês François Truffaut, Hitchcock disse que o suspense é uma espécie de dilatação da espera. Ele explicou que se uma bomba explode embaixo de uma mesa onde os personagens estão sentados tendo uma conversa banal, os espectadores levam um susto.
No entanto, se o espectador vê a bomba embaixo da mesa enquanto os personagens continuam conversando sem saber da existência dela, isto é uma estratégia para criar uma tensão crescente, pois torna o momento mais emocionante para quem assiste e traz o espectador para dentro da cena.
O cineasta elaborou uma noção particular de suspense, minuciosamente manipulando o caráter da imagem, trazendo ao espectador uma informação privilegiada, que pode ou não ser do conhecimento do personagem também, e que acaba causando um extremo desconforto nesse espectador, uma vez que ele se vê incapaz de alertar o personagem do perigo que está por vir. (PERON, 2011, p. 28)
Tarantino, por exemplo, faz uso dessa mesma estratégia em Bastados Inglórios (2009), logo na cena inicial, quando a família rural francesa está sendo entrevistada pelo nazista, enquanto judeus se mantém escondidos abaixo do piso – ou seja, a bomba embaixo da mesa.
Dessa forma, podemos ver como a genialidade de Hitchcock vem influenciando diversos outros cineastas até os dias de hoje. O mestre do suspense realmente marcou o cinema americano e revolucionou a produção de filmes do gênero.
E aí, deu vontade de assistir – ou reassistir – algum filme dele?
PERON, Mauro Luiz. “A estética cinematográfica de Alfred Hitchcock”. In: Catálogo da Mostra Hitchcock, São Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil/Ministério da Cultura, 2011.