Em A guerra não tem rosto de mulher, Svetlana Aleksiévitch apresenta a história da Segunda Guerra Mundial do ponto de vista de mulheres que estiveram em batalha
Toda e qualquer guerra costuma ser contada do ponto de vista do homem. Em seus relatos, homens se vangloriam de seus feitos, lamentam seus mortos e perdas. Depois exibem suas medalhas, prêmios e comemoram suas vitórias. E isso não é diferente quando o assunto é a Segunda Guerra Mundial.
Svetlana Aleksiévitch, escritora bielorussa, procurou contar a história da Segunda Guerra do ponto da mulher soviética. A revisão histórica feita pela autora mostra que milhares de mulheres estiveram em luta, ocupando os cargos mais diversos e de mais perigo. E grande parte delas foram para a guerra ainda muito jovens, aos dezesseis anos.
Os relatos dessas mulheres corajosas mostram que a guerra, apesar de tudo, pode ser enxergada de um ponto de visita mais humano. A guerra das mulheres tem os mais diversos sentimentos, cheiros e memórias. No entanto, mesmo depois da vitória, essas mulheres não tiveram o devido reconhecimento. Muitas tiveram que esconder que foram à guerra.
Mas por que ler A guerra não tem rosto de mulher, de Svetlana Aleksiévitch? Alguns fatos podem ser convincentes.
1. As vozes das mulheres sobre a Segunda Guerra
A história das guerras sempre é contada de acordo com o que é transmito pelos homens. E isso não significa que mulheres não estiveram na guerra. Significa apenas que quando o assunto é falar sobre a Segunda Guerra, a mulher é deixada de lado e a versão do homem é privilegiada. A guerra não tem rosto de mulher, de Svetlana Aleksiévitch vai te fazer conhecer uma guerra totalmente diferente da história oficial, contada nos livros pelos homens.
2. Cargos ocupados por mulheres durante as batalhas
O livro A guerra não tem rosto de mulher mostra que as mulheres lutavam em todos os cargos imagináveis. Estavam nas cozinhas, lavavam as roupas, eram enfermeiras, mas acima de tudo, estava na linha de frente, eram atiradoras, tanquistas, eram responsáveis por minas, eram motoristas, mecânicas. A força e a garra dessas mulheres vinham do desejo de defender sua pátria.
3. Cada mulher narra a guerra de um modo diferente, em função do cargo ocupado
Por meio de A guerra não tem rosto de mulher, além de você conhecer a guerra pelo ponto de vista das mulheres, vai conhecer a guerra por meio de várias perspectivas. Há a guerra narrada pelas médicas, enfermeiras, cozinheiras, pilotos, soldadas, francoatiradoras etc. Elas apresentam detalhes e olhares que vão além do sangue, da morte, da violência, do medo, da solidão. Havia irmandade, empatia, amizade e compaixão entre as soldadas e entre alguns soldados.
4. As mulheres eram ridicularizadas na guerra, mas não desistiram mesmo assim
As guerreiras eram ridicularizadas, do início ao fim da guerra. E não pelo adversário, mas pelos próprios homens soviéticos. Não acreditavam que guerra era coisa de mulher, e sim que elas deviam ficar em casa e cuidar da família. Para os soldados homens, lugar de mulher não era no front. Justificavam dizendo que a guerra não era para quem é fraco e frágil. Entretanto, aos poucos, perceberam que essas características não existiam nas soldadas.
5. Sem as mulheres, talvez Hitler teria vencido o exército soviético
Sem as corajosas mulheres, provavelmente não haveria a vitória. As tropas de Hitler não seriam vencidas. Muitos homens morreram em combate, logo no início da guerra. Se as mulheres, por um dever patriótico, não tivessem se alistado e insistido com teimosia em ir à guerra, seria muito provável que o combate acabasse muito antes, sem vitória. Talvez houvesse a derrota e o exército soviético seria dizimado.
6. A guerra deixou marcas eternas nas mulheres
Com a leitura de A guerra não tem rosto de mulher, é possível perceber o quão cruel a guerra foi com as mulheres. Muitas tiveram cabelos brancos logo nos primeiros dias. Durante a guerra, muitas pararam de menstruar. Algumas simplesmente pararam de se ver como mulheres – suas vestimentas eram iguais às dos homens e em seus cabelos eram feitos cortes masculinos. Muitas não puderam mais conviver com nada que fosse vermelho (roupas, roupas de cama e mesa, utensílios domésticos etc) porque lembrava sangue. Muitas voltaram mutiladas. Outras voltaram órfãs.
7. A solidão das mulheres depois da guerra
Muitas mulheres perderam tudo enquanto estavam na guerra: casa, pais, marido e filhos. Ao voltarem nada tinham. Não havia ninguém para dividir a dor e o peso da guerra, para quem narrar seus traumas e, então, silenciaram durante muitos anos. Até que Svetlana Aleksiévitch apareceu. Outras mulheres, quando voltaram, buscaram fingir que não tinham sofrido com a guerra, queriam esconder suas cicatrizes, hematomas e medalhas para levar uma vida normal. Queriam retomar a vida, estudar, trabalhar, casar e ter filhos, mas não eram mais vistas como mulheres, ou eram enxergadas como “putas” – termo citado no livro – que se envolviam na guerra com homens comprometidos. Mulheres eram, segundo muitos homens, as donas de casa e noivas que esperavam “seus homens” voltarem do combate.
8. Aleksiévitch apresenta uma nova história, ignorada e até silenciada
O trabalho de Svetlana Aleksiévitch é um documento histórico valioso. A riqueza das histórias reunidas em A guerra não tem rosto de mulher dá outra visão e dimensão sobre o que é uma guerra, para além do brilho da vitória e das medalhas. As memórias das guerreiras soviéticas permanecerão sempre vivas graças a essa obra.
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Curiosidade:
O livro de Svetlana Aleksiévitch foi adaptado para uma peça de teatro no Brasil, a qual também leva o nome A guerra não tem rosto de mulher. A peça tem direção de Marcelo Bosschar e conta com as atrizes Carolyna Aguiar, Luisa Thiré e Priscila Rozembaum. Saiba mais aqui!