A interiorização do trauma em Primo Levi

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A interiorização do trauma em Primo Levi

Publicado em 1947, É isto um homem? é um dos relatos mais tocantes sobre os horrores do Holocausto e demonstra como a interiorização do trauma pode potencializar a arte.

A partir do campo de concentração e extermínio

Primo Levi foi resgatado de Auschwitz em 1945 quando o Exército Vermelho invadiu o mais famoso campo de concentração nazista. O jovem italiano, de origem judaica, estivera preso desde 1943, capturado por fazer parte da resistência.

Primo chegou a Auschwitz em um comboio com mais de 650 prisioneiros. Escapou da morte imediata pela câmara de gás, por haver sido considerado “útil” às pesquisas alemãs. E isso se deu por ser químico de profissão. Tendo isso lhe permitido uma passagem menos extrema, embora não menos brutal, no campo.

Depois da libertação, escreveu É isto um homem? Nele um dos aspectos fundamentais é a fotografia da destituição da humanidade gestada pela crueldade nazista. Retrata o  começo pela linguagem, por meio dos discursos de ódio e negação da dignidade dos sujeitos. E, por fim, pela violência nua e crua.

Do nome ao número

E é, justamente, como prova do fenômeno da tentativa de apagamento das identidades que sabemos que os primeiros atos realizados pelos alemães quando os prisioneiros chegavam aos campos era a substituição de seus nomes por números.

“Ele é Null Achtzehn. Chama-se apenas assim: Zero-Dezoito, os três algarismos finais da sua matrícula; como se todos tivessem compreendido que só os homens têm direito a um nome, e que Null Achtzehn já não é um homem. Imagino que até ele próprio tenha esquecido seu nome; em todo caso, comporta-se como se fosse assim. Quando fala, quando olha, dá a impressão de estar interiormente oco, nada mais do que um invólucro, como certos despojos de insetos que encontramos na beira dos pântanos, ligados por um fio às pedras e balançados pelo vento”

O trabalho forçado e degradação moral se fortalecia pela imposição dos mais cruéis e extremos castigos, detalhadamente descritos por Primo, que os presenciou e sofreu quase à exaustão e à loucura, escapando por pouco, abandonado à própria sorte, com tantos outros, que já acreditavam mortos.

O olhar da testemunha

A memória do tempo em Auschwitz acompanhou Primo Levi por toda sua vida de sobrevivente, foi motivo de grande parte de sua produção literária, até sua morte em 1987. Narrar o trauma é uma necessidade do sobrevivente na tentativa de assimilar um evento.

Essa é uma problemática levantada, também, por Marcio Seligmann-Silva, professor da UNICAMP. Ele argumenta que grande parte da literatura se preocupou em interiorizar o trauma, constituindo-se desde Homero até a contemporaneidade como um instrumento que nos ajuda a entender a experiência.

Considerando que nossa época é, em grande parte, fruto das violências coletivas, o testemunho é uma maneira de compreender nosso próprio tempo em um exercício no qual somente a literatura é o meio possível.

Referências

LEVI, Primo. É isto um homem?. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.

Seligmann-Silva, M. (org.). História, memória, literatura: o testemunho na era das catástrofes. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003.

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