A literatura dá um samba gostosinho!

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salgueiro - 2010Eu tinha cinco anos, no carnaval de 1990, quando meu pai, Candanda da Portela, foi convidado para puxar o samba da Unidos de Vila Isabel, lá de Viamão, ao lado de Porto Alegre, num enredo em homenagem a Joaquim Maria Machado de Assis – o gênio improvável do Harold Bloom. O sambinha, que nunca saiu da cabeça nem da ponta da língua e até já falei dele aqui no HL, terminava com os seguintes versos: E hoje entre os negros que mais se destacaram no país,/ a Vila Isabel vem homenagear ao imortal Machado de Assis. Desde então, sei que a literatura dá um samba gostosinho.

Não foi a primeira nem a última vez que se cantou a literatura brasileira na cadência de um bom samba. Esqueçam a sisudez da Academia, mas há anos a melhor aula sobre as nossas letras vêm sendo dada na Marquês de Sapucaí e noutros sambódromos país afora. Os escribas da nossa pátria amada e obras seminais das letras tupiniquins já embalaram a apoteose do samba: Castro Alves (Império Serrano em 1948), Gonçalves Dias (Mangueira, em 1952), Memórias de um sargento de milícias (1966) e Macunaíma (1975), da azul e branco de Madureira, a minha amada Portela.

Os Sertões, a obra máxima de Euclides da Cunha, inspirou a Em cima da hora, em 1976.  Há, ainda, tantos outros, como: Lima Barreto (1982, pela Vila Isabel, com direito a repórter perguntando se homenageado iria desfilar. Acredita nisso?). Houve até tabelinha entre os personagens do Bruxo do Cosme Velho e os jagunços de Guimarães Rosa (Mocidade). Há cinco anos, a Acadêmicos do Salgueiro, com o enredo Histórias sem Fim, falou sobre a importância do livro e pôs para sambar a prensa de Gutemberg, a literatura infantil, os gêneros literários e até os best–sellers.

Agora: já imaginou os personagens do Jorge Amado num samba de roda dos bons, lá na Tenda dos Milagres? Foi assim que o Império Serrano cantou em 1989, num genial samba de Beto Sem Braço, Aluísio Machado, Bicalho e Arlindo Cruz. Daria tudo pra ver Teresa Batista sambar com Tieta e Quincas Berro D Água e mais um pouco para comer o vatapá preparado por Gabriela e Dona Flor – uma iguaria para orixá nenhum botar defeito. Só não lembro se o Vadinho dançou o difícil e famoso passo do siri-boceta. Vai ver que o salafrário estava com alguma sirigaita por aí.

Em 1987, ano em que Drummond completaria 85 anos, a Estação Primeira de Mangueira homenageou o poeta com o samba-enredo Reino das Palavras e foi campeã do carnaval carioca: Mangueira, de mãos dadas com a poesia. /Traz para os braços do povo este poeta genial: Carlos Drummond de Andrade. E aí eu te pergunto: do que vale um prêmio Nobel, quando se ganha um carnaval no berço do samba?!

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