Anotações sobre José e Pilar II

Desculpe pelo transtorno, mas preciso falar sobre José e Pilar… de novo!

saramagpilar

“Por trás de todo grande homem há sempre uma grande mulher”. Vez ou outra alguém espana a poeira de cima desse ditado. Na maioria das vezes para justificar a presença tímida das mulheres na história oficial.

Existe toda uma tradição de pensamento que distribui os papéis da seguinte forma: aos homens, o poder público (a política); as mulheres, o poder privado (a família). Repetida a exaustão, essa visão do mundo se consolidou em nossa mente, independente dos exemplos da História – fiquemos com as rainhas Elizabeth I na Inglaterra e Nzinga Mbandi na Angola para início de conversa –  e da Literatura – Lady Macbeth que o diga.

Digo isso porque no caso de José Saramago e Pilar del Río essa visão não poderia ser menos verdadeira. É exatamente por ser uma grande mulher que ela não se coloca atrás de Saramago, mas lado a lado e em algumas vezes até na frente dele.

Há quem atribua a ela uma série de acusações, inclusive a de contribuir para a morte do companheiro por meio das cansativas viagens pelo mundo. Em primeiro lugar, Saramago relutava, mas em última instância concordava com a necessidade de divulgar sua obra.

Ainda assim, uma pergunta fica entalada na garganta de cada admirador do escritor: valeu a pena? Para mim, a resposta passa por Ariano Suassuna. Avesso a viagens, o autor da Farsa da Boa Preguiça começou dar palestras pelo país bem tardiamente. Decisão ousada e preocupante para a família, mas que difundiu o legado do autor ao ponto de hoje alguns jovens estudantes considerarem-no seu youtuber favorito. Parafraseando um conhecido conterrâneo de Saramago, tudo vale a pena se a alma não é pequena.

Mas voltemos a José e Pilar. Conheceram-se por conta de uma entrevista que na realidade era mero pretexto para que Pilar falasse com o seu ídolo. Após o primeiro contato vieram conversas e mais conversas que, por fim, resultaram num forte relacionamento.

Acostumados com a transitoriedade, um amor tão dedicado e longo soa para nós como algo tão incomum quanto admirável. Tal é a nossa ânsia de encontrar provas de que o amor verdadeiro e duradouro exista que elegemos casais-modelo, que para azar de nossas expectativas estão se separando ou já se separaram.

José e Pilar não oferecem uma fórmula mágica. Não sabemos a dosagem de afinidades e de divergências capazes de criar um grande amor. Não podemos dizer com certeza se todas as cartas de amor são ridículas (mesmo quando publicadas na coluna de jornais). Apenas sabemos, e isso é uma descoberta que muitos ainda teimam em não aceitar, que amar não é uma vontade unilateral, amar não é submeter-se totalmente ao outro.

Num campo tão complexo quanto esse talvez da Literatura, ela que já foi classificada como base da “educação sentimental”, tenha o privilégio de oferecer valiosas pistas. Nunca um manual que deva ser seguido à risca, mas uma coleção interessante (e divertida) de pistas.

Vinicius Alves do Amaral
Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e professor da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. Aprendiz de Pantaleão nas horas vagas.
Vinicius Alves do Amaral
Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e professor da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. Aprendiz de Pantaleão nas horas vagas.
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