Para o sociólogo e crítico literário Antonio Candido, a literatura tem de ser vista como um direito básico do ser humano
Em seu texto Direitos humanos e Literatura, Antonio Candido defende que a literatura é, ou ao menos deveria ser, um direito básico do ser humano, pois a ficção/fabulação atua no caráter e na formação dos sujeitos.
Primeiramente, ele destaca o que são os direitos humanos, aqueles ligados a alimentação, moradia, vestuário, instrução, saúde, a liberdade individual, o amparo da justiça pública, a resistência a opressão, bem como o direito à crença, à opinião, ao lazer. Este são bens que asseguram a sobrevivência física e também a integridade espiritual. Neste gancho, Candido indaga: e por que não o direito à arte e à literatura também?
Segundo o crítico, a literatura se manifesta universalmente através do ser humano, e em todos os tempos, tem função e papel humanizador. Mas como essa humanização se dá?
De início, A. Candido destaca que chama de literatura, nesse texto, tudo aquilo que tem toque poético, ficcional ou dramático nos mais distintos níveis de uma sociedade, em todas as culturas, desde o folclore, a lenda, as anedotas e até as formas complexas de produção escritas das grandes civilizações. E defende a ideia de que não há um ser humano sequer que viva sem alguma espécie de fabulação/ficção, pois ninguém é capaz de ficar as vinte quatro horas de um dia sem momentos de entrega ao “universo fabulado”.
Se ninguém passa o dia todo sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura (no sentido amplo dado nesse texto) “parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito” (CANDIDO, 1989, p. 112). A literatura é, para ele, “o sonho acordado da civilização” (p. 112), e assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem sonho durante o sono, “talvez não haja equilíbrio social sem a literatura” (p. 112). É por esta razão que a literatura é fator indispensável de humanização e confirma o ser humano na sua humanidade, por atuar tanto no consciente quanto no inconsciente.
A literatura tem importância equivalente às formas evidentes de inculcamento intencional, como a educação familiar, grupal ou escolar. Por isso, as sociedades criam suas manifestações literárias (ficcionais, poéticas e dramáticas) em decorrência de suas crenças, seus sentimentos e suas normas, e assim fortalecem a sua existência e atuação na sociedade. Antonio Candido salienta ainda:
[…] a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudicais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. (p. 113).
O crítico ainda chama atenção para a questão do papel formador de personalidade que a literatura tem. Não podemos vê-la como uma experiência inofensiva, mas como uma aventura que pode causar problemas psíquicos e morais, ou seja, a literatura tem papel formador de personalidade, sim, mas não segundo as convenções tradicionalistas; ela seria, na verdade, “a força indiscriminada e poderosa da própria realidade” (p. 113).
A literatura, então, não corrompe e nem edifica, mas humaniza ao trazer livremente em si o que denominamos de bem e de mal. E humaniza porque nos faz vivenciar diferentes realidades e situações. Ela atua em nós como uma espécie de conhecimento porque resulta de um aprendizado, como se fosse uma espécie de instrução. A humanização, de acordo com A. Candido, é:
“[…] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos à natureza, à sociedade e ao semelhante” (p. 117).
Além disso, assevera que “[…] a literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob a pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos humaniza” (p. 122). E defende o fato de que “a literatura pode ser um instrumento consciente de desmascaramento, pelo fato de focalizar as situações de restrição dos direitos, ou de negação deles, como a miséria, a servidão, a mutilação espiritual.” (p. 122), e por estas razões, a literatura está relacionada com a luta pelos direitos humanos.
Em suma, o que o renomado sociólogo e crítico literário brasileiro defende é que a luta por direitos humanos abrange um estado de coisas em que todos possam ter acesso aos diferentes níveis de cultura. É por isso, portanto, que uma sociedade que seja de fato justa “pressupõe o respeito pelos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável” (p. 126).
Abracemos Antonio Candido!
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Referência:
CANDIDO, Antonio. Direitos Humanos e literatura. In: A.C.R. Fester (Org.) Direitos humanos E… Cjp / Ed. Brasiliense, 1989.