Um latino-americano chamado Belchior

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Um latino-americano chamado Belchior
Belchior: morto aos 70 anos

Em livro, jornalista faz perfil de Belchior, o cantor que encantou gerações, se tornou errante e morreu após ficar 10 anos ‘desaparecido’     

Domingo, 30 de abril de 2017: Morre Belchior. Essa foi a principal manchete dos sites noticiosos no Brasil naquela data. O autor de canções eternizadas como A palo seco, Apenas uma rapaz latino-americano, Como nossos pais partiria aos 70 anos.

Enquanto o corpo padecia, o obra ficava. Ficou.

Ano passado, a editora Todavia lançou Belchior: Apenas um rapaz latino-americano (240 págs). Escrita pelo jornalista Jotabê Medeiros, o perfil (não, não é uma biografia stricto sensu) mostra ao leitor o inicio da vida do compositor cearense – e reconstrói, inclusive, o funeral de Bel, como era chamado pelos mais próximos.

 

O inicio de Belchior

Nascido em Sobral (CE) em 26 de outubro de 1946, Antonio Carlos Belchior, Belchior passou por um mosteiro dos frappuccinos na juventude. Por lá, o então frei Sobral dedicou-se ao silêncio, à meditação, ao latim e aos leitura dos clássicos. Cansado daquela rotina, começou a escrever músicas e decidiu mudar de vida.

Errante desde sempre, desde a juventude sumia e não avisava a ninguém.

“Num momento da vida, você tem que afirmar sua própria vontade e seu próprio modo de existência. Só existe liberdade onde você pode dizer não. Então, eu sempre disse o não que era necessário, disse em uma entrevista.

Na universidade, em Fortaleza, cursou medicina. Numa disciplina, um professor não lhe ia muito com a cara. Ao receber uma nota ruim – e já pensando em abandonar os estudos, Belchior profetizou:

“O senhor ainda vão ouvir muito falar de mim”.

Acertou.

(Quem é mesmo o professor?)

Ele abandou o quarto ano de medicina e foi embora para o Rio de Janeiro, em 1971. “Trazia uma mala cheia de livros, textos consagrados de filosofia, São Tomás de Aquino, Kierkergaard, Wittgenstein. Sem dinheiro, foi ficar com parentes no Méier”, escreve Jotabê.

Entre idas e vindas, conheceu artistas. Uma delas foi Elis Regina – que se encantou pelo compositor e ajudou-lhe a se tornar conhecido.

 

Parcerias de Belchior

O cantor e compositor cearense Fagner, quando questionado sobre qual fora a grande canção que gravara, “respondeu mais ou menos isso: ‘Rapaz, eu vou ficar com Mucuripe. Embora meu parceiro nessa canção seja a pior pessoa da face da Terra. Ele desapareceu, e eu espero mesmo que nunca mais volte. Espero que esteja morto a essa hora”.

O parceiro fora Belchior. O livro de Jotabê conta casos e causos envolvendo a relação de amor e ódio dessa dupla.

(Que terminou não com a morte de Bel, mas com o envio de flores sem identificação ao velório do compositor de “Medo de avião”. O remetente era o mais conhecido interprete de “Borbulhas de amor”.)

 

Bob Dylan brasileiro

Em 1990, no Hollywood Rock, Gilberto Gil apresentou Dylan a Belchior. A história é ótima. Jotabê nos conta.

“Nos bastidores, enquanto a mulher e a filha saíam o camarim de Gil para se acomodar no local dos convidados do palco, Gil puxou Belchior e disse que lhe ia apresentar um amigo. ‘Bob, esse é o Belchior, o Bob Dylan brasileiro’, disse Gil, entrando no camarim de Dylan para apresentar o cearense ao bardo de Duluth. O diálogo que se seguiu foi mais ou menos assim:

“‘Bob Dylan: ‘Dylan brasileiro? É mais provável que eu seja você na américa’, brincou.

“Belchior: ‘Todos somos você. Não há na terra que você não tenha pisado, não há consciência que você não tenha penetrado’.

“Dylan pareceu rir, mas seu esgar nunca foi definido como uma expressão bem-acabada de um sorriso. ‘Quero ouvir seu álbum. Você trouxe um?’

“Belchior não trouxera, essa frustração o assaltou por muitos anos devido ao que julgou displicência sua. Dylan deu de ombros e o abraçou.”

Aliás, Dylan, Beatles, Rolling Stone são referências claras em várias canções de Belchior.


A vida do bardo

A partir dos anos 2000, Belchior decidiu abandonar tudo e viver como bem entendesse. Casou-se novamente, deixou família, contas e alguns bens. E dívidas. Muitas delas. Amigos contam que Belchior foi a vida toda assim.

Era, de fato, o Bob Dylan brasileiro.

“Não foi Dylan quem mudou, foi o publico que piorou. Eu também me sinto assim a todo momento, em relação à minha obra e à dos companheiros”, disse em uma entrevista nos anos 2000.

Hoje visto como um porta-voz da geração contrária ao sistema, Belchior afirmava não fazer músicas ideologizadas.

“Eu não faço música partidária. Eu sou a favor de um recrudescimento das qualidades individuais, diante de qualquer instituição e também da instituição política. Tem governo, eu sou contra. Tem partido, eu sou contra. Eu não quero pertencer a partido, igreja, escola, a nenhum grupo institucional. Eu só pertenceria a um partido que não quisesse poder.”

Valeu a iniciativa

O livro, em que se mostre essencial para admiradores de Bel, como era chamado pelos mais próximos, tem uma falha: não traz tantas informações que uma biografia stricto sensu traz. Numa comparação rápida com as obras feitas por Fernando Morais e Ruy Castro, para ficar em exemplos brasileiros, “Apenas um rapaz latino-americano” para na superfície em muitos sentidos: poucas entrevistas, poucas informações sobre a infância e adolescência do músico.

Ao menos Jotabê Medeiros não esconde isso. Diz que é um livro de um admirador da obra do cearense. E nos mostra que, desde sempre, Belchior foi um errante: costumeiramente mentia (inventava versões) para as histórias de sua vida. Aí reside a dificuldade em escrever sobre ele.

Jotabê reconstrói parte do foi vida de Belchior, mesmo que rápido e superficialmente em muitos momentos, e nos faz sentir que a mito e a música do cearense vão ficar para sempre.

 

     

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