Durante minha vida de leitora, sempre tive uma querela com a poesia. Muita admiração, afinal nunca dei conta de escrevê-la, mas certa preguiça de lê-la de fato, de sentar, ler o verso, sentir, rever e tudo mais. Honestamente, sempre achei um exercício cansativo. Mas, esta semana, minha aquisição literária do mês foi Cem maiores poemas brasileiros do século, que me deixou feliz como há muito não ficava comprando um livro. Isso me forçou a pensar nas causas de uma mudança tão significativa como esta.
Lembrei do primeiro texto poético que gostei e consegui apreciar. Morte e Vida Severina, 3º ano do Ensino Médio. João Cabral de Melo Neto é muita responsabilidade e essa obra-prima me tocou, pois tinha a narrativa poética e a forma impecável do pernambucano. Mas ainda não tinha sido ali. Segui lembrando outros textos: um Neruda que meu amigo me deu, o Whitman que aparece tão glamoroso no Sociedade dos Poetas Mortos, a fofura (!) do Drummond, o Pessoa que foi colocado como desafio de leitura e interpretação na pós-graduação. Mas ainda não encontrava o texto e, incrivelmente, foi assim que de para entender: poesia é um estado de espírito, uma abertura emocional para a leitura que pode vir aos cinco, aos 15, aos 25 ou nunca aparecer de fato.
Lembrei-me, então, de dois momentos poéticos em que a poesia me levou às lágrimas. Um deles foi ao final da magnífica apresentação audiovisual de poesia no Museu da Língua Portuguesa – com os alunos (“Cecília, você tá chorando? Eita, mas o que que aconteceu? GENTE, A CECÍLIA TÁ CHORANDO!”)! Era difícil explicar, só que mais do que as narrações, o poema Versos íntimos, de Augusto dos Anjos, escrito no chão, (“Se a alguém causa inda pena a tua chaga/Apedreja essa mão vil que te afaga/Escarra nessa boca que te beija!”) me fez brotar lágrimas, como se fosse a primeira vez que eu tivesse lido e era, na verdade.
O outro momento foi lendo uma passagem de Cem anos de solidão, do Gabo. O momento em que Úrsula, figura que segura nas costas Macondo, os Buendía e qualquer outro raio que o parta na história, grita um palavrão e a filha pergunta onde esta o animal, achando que a mão tinha sido picada. Úrsula apenas aponta para o peito. Acho que este era outro ponto: poesia não pode ser só uma forma, o verso, a estrofe. Poesia tem que ser pensada em outra classificação, outro olhar, outra leitura.
Para ler poesia, tem que estar preparado pra deixar uma metáfora te agredir impiedosamente. Não adianta pensar nos versos, rimas, ritmo, assonâncias e afins. O texto poético exige do leitor conexão. É igual aquele amigo que não aceita de você uma mensagem no whatsapp de aniversário: que uma ligação, quer um café. Sem abrir mão de certas defesas e sem se abrir para a vulnerabilidade, arrisco-me a dizer que não dá para ler poesia – não coo interpretação e forma, mas como sentimento, como arte.