O projeto 12 Contos continua! Vamos ao sétimo conto.
Cheguei para a aula e o assunto era um só. “Acharam um bebê na beira do rio” “Na beira do rio?” “É, onde deságua o esgoto, dizem que ele é meio humano meio sapo” “Como pode isso?” “Foi o esperma de alguém que desceu pelo ralo”. Meu coração congelou. Tinha medo que o esperma que eu derramava no banho fecundasse alguma coisa. Aconteceu. Soube, naquele instante, que esse bebê é meu filho. Como se conhecesse minha aflição, Fabrício quis me provocar. “Vai ver o filho é teu, Rafa, tu vives batendo uma no banheiro”.
A aula não faz sentido. Os professores apontam uma lousa embaçada, os alunos estão zumbindo ao meu redor. Eu só penso na minha situação. Um garoto de doze anos, virgem e pai. Pai de uma aberração. Se tivesse fecundado um peixe seria pai de uma sereia ou um tritão. Mas aquele rio imundo só tem sapos, sapos e sapos. O bicho que eu mais tenho pavor entre todos. Talvez ninguém descubra esse segredo. Mas cidade pequena é fogo! Não dá para esconder nada de ninguém. Como encarar as pessoas na rua? Como explicar aos meus pais? Nunca vou namorar depois disso.
A sirene toca. Correm todos para o recreio, menos eu. Cruzo as mãos. Faço uma promessa. “Por favor, Deus, te peço que esse filho não seja meu. Não permita uma coisa dessas. Prometo que se eu não for o pai dele, nunca mais eu bato, quer dizer, nunca mais me masturbo. Nunca mais”. Tento disfarçar meu estado, mas estou pendurado numa corda suspensa, me agarrando com força para não cair no abismo abaixo dos meus pés.
Chego do colégio e me enfio debaixo do cobertor para dormir e esquecer. Péssima ideia. Pego no colo um bebê gelado, coberto de lodo. A pele cheia dos mesmos grânulos que os sapos têm nas costas.Acho até que tentou dizer papai, mas abriu a boca e desenrolou uma língua comprida e pegajosa. Não dormi mais. Minha mãe não toca no assunto. Não sabe de nada ou está tão envergonhada que quer esperar por meu pai para me dar uma bronca, me pôr de castigo ou sei lá o que farão comigo. Criar esse filho já é o maior dos castigos. Não tem como deixá-lo para ser criado pela mãe.
Meus pais me olham como se me pedissem algo. Querem que eu diga que não sou o pai da criatura, mas eu sou. Logo começarão o sermão. Reviro a comida no prato pra lá e pra cá. Uma bigorna paira sobre mim, suspensa por um fino cordão. Meu pai larga os talheres, cruza as mãos no queixo. Espero a bronca de cabeça baixa. “Rafa… Sabe aquele bebê que encontraram na beira do rio?” E a bigorna caiu na minha cabeça. Mal disfarcei a voz trêmula. “O que é que tem?” “Vamos vê-lo amanhã. Queremos trazê-lo para cá” Eu já posso morrer agora, eles sabem de tudo. Sem saída eu me rendi. “Desculpa mãe. Não queria isso. Desculpa pai, mas eu achava que isso não ia acontecer e…” Minha mãe me interrompe. ”Já sabe o que vamos falar?” “É do bebê não é?” “É… Você não quer mais ganhar um irmão?” “Irmão?” “É que pensamos em adotar o bebê abandonado, estamos na fila há tanto tempo” “Estão falando do bebê sapo?” “Não diga isso Rafa” “Mas é o que todos falam” “Isso é lenda. Gente só engravida gente. Bicho só engravida bicho.” “Então é um bebê normal?” “Claro que é. Achávamos que gostaria da ideia de adotarmos essa criança”. Senti um piano cair das minhas costas. A euforia me escapa tão rápido que nem tenho tempo de contê-la. “Eu quero sim um irmão, quero muito.” A revelação abre meu apetite. Mutante ou não esse bebê não é meu filho. Não posso ser pai de nenhum outro bicho. Estou livre para fazer o que eu quiser e… Eita! E a promessa?
***
Deus fez a parte dele e eu preciso cumprir o que eu prometi. Nada de revistas debaixo do colchão ou de ver filmes proibidos. Não quero arriscar. Não sei o que pode acontecer se eu desobedecer. E se cair o meu… Não quero nem pensar. Mas como faço para segurar a vontade? Só se passaram duas semanas. Só penso no que não devo. Fico excitado por qualquer coisa. Nem nos sonhos eu relaxo. Acordo todo lambuzado. Ontem mesmo, colocando os pratos e talheres na mesa, encostei o pinto na borda da mesa. Senti cócegas. Fiquei passando, esfregando de leve. Estava com tanta vontade que num segundo sujei toda a cueca. Corri para limpar. Agora me diga você, o que é que eu faço? Como me livro dessa promessa? Não sei por quanto tempo vou aguentar.