Em entrevista ao Homo Literatus, Marcos DeBrito fala de seu premiado filme Condado macabro (2015) e de seu livro homônimo
Marcos DeBrito é autor e cineasta. Junto com seu premiado filme mais recente, Condado macabro, Marcos lança também um livro homônimo no qual explora ainda mais o terror oitentista do longa.
A história parece ser simples, com cinco jovens que se envolvem em uma trama sinistra depois de saírem de casa para passar o feriado, mas o diabo está nos detalhes, e é sobre os detalhes do processo de adaptação de sua obra que Marcos DeBrito nos conta, assim como de sua percepção sobre o terror no Brasil, em entrevista exclusiva para o Homo Literatus.
Homo Literatus: Condado macabro é filme e é livro. Qual surgiu primeiro? Escreveu o livro já pensando em fazer o filme ou foi o contrário?
Marcos Debrito: Foi o contrário. O filme já existia e a editora Simonsen acreditou que a história poderia gerar um livro interessante. Eu demorei para aceitar o convite porque o processo do longa foi muito rápido e eu demorei a acreditar que, de fato, havia méritos da narrativa que caberiam em um romance. Já havíamos ganhado o ProAC de finalização de longa-metragem e o prêmio de Melhor Filme no Fantaspoa, mas foi ao receber boas críticas ao roteiro que resolvi aceitar o desafio de adaptá-lo para a literatura. Como eu também sou um autor publicado pela Rocco com o romance À sombra da lua, eu não podia negar a oportunidade de escrever um novo livro com garantia de publicação. Agradeço muito ao Rodrigo Simonsen por ter insistido na ideia. Não pude alterar muita coisa do que estava no filme, mas quem o assistiu no cinema poderá conferir como adaptei as brincadeiras visuais em forma de palavras e conhecer um pouco melhor de alguns personagens que tiveram que ter cenas cortadas na versão comercial do longa. O livro Condado macabro acabou sendo a versão estendida do filme.
H.L.: E como foi esse processo de adaptação do filme para o livro? Na sua opinião, foi mais fácil ou mais difícil do que seria escrever um livro “do zero”?
M.D.: Como já existia um filme pronto, não pude alterar situações, apenas acrescentar um pouco de medos particulares de cada personagem e tentar passar para a literatura algumas das características visuais do filme. Condado macabro é o primeiro livro que escrevo a partir de um filme pronto, mas não de um roteiro pronto. Como sou cineasta por formação, sinto-me mais à vontade escrevendo roteiros, pois basta uma descrição básica de situação e desenvolvimento de diálogo. Mas nos meus livros eu gosto do exagero descritivo, então eu demoro bem mais. Eu ainda não escrevi um livro do zero porque eu gosto de passar pelos processos de sinopse, argumento e roteiro antes de me aventurar na narrativa literária.
H.L.: Você tem referências no terror? Alguma delas brasileira?
M.D.: Todas as referências. É o gênero cinematográfico que mais assisto e o gênero literário que leio com mais vontade. Para o filme, minhas principais referências foram os clássicos dos anos 70 e 80 do gênero slasher. Massacre da serra elétrica, Motel diabólico, Sexta-feira 13, Pague para entrar, reze para sair… Dos mais recentes, é gritante minha reverência aos filmes do Rob Zombie, A casa dos mil corpos e Rejeitados pelo diabo. Também peguei alguma influência no longa espanhol Balada do amor e do ódio para criar dois dos personagens da história.
Já na literatura, bebo no Mal do Século. Álvares de Azevedo é meu escritor preferido, e Macário é meu livro de cabeceira. Junto a ele, boto Edgar Allan Poe no mesmo pedestal. São os escritores que me inspiram quando faltam palavras. Nos meus textos mais românticos, a influência desses dois autores é óbvia. Já no Condado, segui uma vertente de terror mais moderna, carregada com humor negro, sangue e vísceras.
H.L.: Como é fazer terror no Brasil?
M.D.: Infelizmente, tanto no cinema quanto na literatura, existe um pouco de preconceito com o que é feito por aqui. O público nacional consome muito o terror e o universo fantástico estrangeiro, mas se dedica pouco a conhecer autores e diretores nacionais que se aventuram no gênero. Isso reflete diretamente no número de trabalhos que acaba sendo deixado de lado. Temos histórias boas, um folclore rico a ser explorado, mas, porque o público prefere ler ou assistir heróis e anti-heróis norte-americanos, nossa produção de terror não é uma indústria ainda. Acredito que, de alguns anos para cá, isso mudou e vem mudando, mas ainda falta um caminho a ser trilhado.
H.L.: Estamos em uma época em que parece ser muito difícil assustar as pessoas de fato. Obras de terror, mesmo as mais antigas, são criticadas hoje em dia por serem “fracas” e “não assustarem ninguém”. Você concorda com isso? É mesmo mais difícil fazer terror atualmente?
M.D.: Acredito que seja uma questão do ritmo da nova geração. Hoje, a garotada se assusta com maquiagem, efeitos visuais e um som alto retumbando na caixa do cinema. É um susto diferente, que remete um pouco apenas a sensações imediatas. Mas o verdadeiro terror, aquele que você leva para casa depois de sair do cinema, ou para a cama depois de ler um livro, é muito mais profundo porque ele te pega antes de dormir. Isso pode não nos fazer gritar na hora, ou fechar o livro, mas creio que ainda sejam o desconhecido e a ideia do Mal subvertendo nossos valores o maior dos horrores. E é isso que gosto de explorar na maioria das vezes. Não creio que esteja mais difícil fazer terror atualmente, o que percebo é mais uma escassez de ideias originais, derivada de uma indústria que precisa produzir terror para os adolescentes mesmo quando não tem nada a dizer. Se você, autor, carrega consigo a índole do horror, ela afetará seu leitor ou espectador.
H.L.: Para terminar, o que você tem a dizer para os fãs de terror espalhados pelo Brasil?
M.D.: Que ajudem o gênero. Precisamos de leitores e espectadores para construir uma indústria de conteúdo de terror nacional. Temos qualidades, histórias urbanas e lendas folclóricas riquíssimas que são exploradas por diversos autores, mas que dificilmente chegam ao grande público. Quando o brasileiro mostrar interesse pelo que é produzido por aqui, as editoras de livros e distribuidoras de filmes darão mais espaço para o gênero. E esse desejo de ver histórias de terror nacionais nos livros e nas telas tem que partir do mercado consumidor.
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Esta entrevista pertence à série Novos Talentos da Literatura Brasileira, que tem como objetivo promover os novos nomes da cena literária nacional, descobrindo, através dos diálogos com esses escritores, seus processos de criação, pontos de vista e anseios relacionados ao ofício literário. Desta forma, possibilita que o público-leitor se mantenha antenado com as novas produções contemporâneas.