Entulhos sociais do vampiro de Curitiba: Dalton Trevisan

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O “trevisânico” Dalton completa 90 anos dando o tom mórbido da escureza humana em seus escritos

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Dalton Trevisan

O vampiro vai fazer 90 anos, mas a Transilvânia de seu sangue cênico é Curitiba. Considerado por Sérgio Sant’Anna o nosso maior escritor vivo, Dalton Trevisan se esconde em contos e assim, na literatura insurgidora, revela a máscara da espécie humana; brasileiríssimos em contundências, estados invasivos e a canalhice mórbida dos trópicos, enraizando na nossa cultura de placebos.

Não quer falar, nunca quis. Cala pelos cotovelos. Leiam os nanocontículos dele. Está tudo ali. Curitiba pinga, regurgita, agoniza mas não morre. Dalton é isso, um Borges do Paraná com uns contos lagartixas pescando moscas mortas, lares armadilhas, bares de esgotos góticos, entre sombras e escuridões. Dalton, 90 anos, rumo aos cem, que ninguém é de ferro. As escondidezas fazem bem para pose, para a lenda, para o mito.

Não dá entrevista. Mas sua alma-chope preto está nas entre/vistas de suas cantárias em prosa ligeirinha. Dalton pega pesado em rápidas pinceladas. Arisco. Há riscos. Entulhos soçobram, e ele escreve e se esconde no não-lugar do não-ser: não está nem aí, nem aqui, talvez nem nunca ali mesmo nos livros pockets como porta-lapsos.

Escuta as falas alhures dos outros, bêbados ou dopados de alguma forma (cafeína, rabo-de-galo, comital, crack, álcool, cocaína, chá de losna, ego, crendice, fé, traição, impotência, efeitos colaterais do viagra),e depois bota no papel os entulhos dos subcretinos, seres/reses, como feridas vencidas. O vampiro de Curitiba corta o próprio pulso com estiletes de prosa. Não fala, mas escrevendo e se escondendo, terrifica a rotina cotidiana da masturbação do ódio customizado da elite pangaré… Curitiba, sai de baixo! Tira véus, acende a lanterna dos afogados, polaquinhas, morenas, pés vermelhos, sandices e desvairados inutensílios. Dalton dá o tom. Passa o rodo no rímel, no laquê, no batom das etiquetas. Assedia as pá-lavras. Bota micos no incêndio. Purga. Fermenta. Mora sozinho com seus fantasmas, seu estado de ausência no crível, no bizarro, no bisonho. Cata entulhos e palavreia a gosto de nanonarrativas que sacolejam, expõem as vísceras de meios, famílias, sociedade, lumes neutros, larvas turvas, terra pústula.

Dialoga com Helena Kolody, Nelson Rodrigues, Leon Eliachar, Oswaldo França Junior, Plinio Marcos, Bukovski, Rubem Fonseca, Antonio Abujamra, Millôr Fernandes, Sade. Revisita Leminski e repagina-o aqui e ali no que destila, tanto o desafeto, o desaforo, o devaneio de escariote arrependido, o sexismo de águas furtadas, mixórdias e marotices no fluxo narrativo. Vai picoteando imagens, palavras, parágrafos, orações, feito uma Salomé tupiniquim servindo a cabeça de incautos, cenas rápidas, panos rápidos, sempre o fuzilo de um vapt-vupt tresloucado em linhas próprias, sintaxe pessoal pareada.

Contos cartuns. Privadas púbicas, restos, réstias. Restos canalhas de nós mesmos. Moral da pequena burguesia fede a Freud e a pau de sebo.

E Dalton existe, resiste, e escreve o curtume.

Andei, muito tempo atrás, recebendo por via indiretas de amigos de Curitiba (como o saudoso Jamil Snege), alguns livretos dele. Depois perdi o fio da meada.

Feliz aniversário, Vampiro. Noventa e não chove. Noventa mas não inventa… Dá o tom.

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