Feliz ano novo!

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Rubem_Fonseca
Rubem Fonseca

Sou formado em técnico mecânica, com direito à Créia* e tudo, como costumávamos dizer. Estudei na Escola Técnica Estadual República, da FAETEC, mais conhecida como C.E.I de Quintino, localizado no bairro homônimo, na zona Norte do Rio de Janeiro, em homenagem a Quintino Bocaiuva, jornalista e político brasileiro, conhecido por sua atuação no processo da Proclamação da República. No mesmo local, anos antes, funcionara a extinta FUNABEM, que cuidava dos menores infratores.

No C.E.I de Quintino tentaram nos preparar para sermos meros apertadores de botões. Foi a única explicação plausível que encontrei para o fato de termos aula de Língua Portuguesa e de poucas disciplinas da área de Humanas apenas no primeiro dos três anos do curso, que durou de 2000 a 2002. Nunca tive na minha grade curricular aulas de História e Geografia, por exemplo. Mas tínhamos de literatura Brasileira. O professor se chama Sílvio. O sobrenome, infelizmente, eu não sei mais e não consegui contatar ninguém que pudesse me salvar de cometer essa injustiça.

Ele era um senhorzinho. Não sei se posso dizer que os dois tempos de 50 minutos que ele passava com a gente, uma vez por semana, poderia se chamar de aula, pelo menos, aula no sentido convencional. E ainda bem que não era convencional. Sílvio se limitava a entrar na sala e ler pra gente. Simples. Nem presença fazia. Tinha a voz boa, lia com desenvoltura, dramatizava o texto, sabia o momento certo de dar as pausas, criava suspense, nos deixava apreensivo. Posso dizer que a literatura chegou em mim pelo ouvido.

Ele fazia uma turma de mais de 40 alunos, na faixa etária de 14 a 36 anos, vindo de todos os cantos do Rio de Janeiro, inclusive, alguns de outros municípios, do sexo masculino (as meninas nem se davam ao trabalho de passar perto do corredor onde nós, da mecânica, estudávamos) ficarmos absorvidos pela narrativa, acompanhando o desenvolver da trama com que ele nos presenteava.

Sílvio lia de tudo pra gente. Mas o seu preferido era o Rubem Fonseca, o velho Rubem. Foi assim que eu tive contato com a obra brutalista do escritor, conforme definiu o crítico Alfredo Bosi. Sílvio lia trechos de Bufo & Spallanzani, os contos Mandrake e Passeio Noturno, que são meus favoritos, entre outras pérolas do autor. Mas a turma gostou mesmo foi de Feliz Ano Novo, conto que dá título ao livro homônimo, que chegou a ser recolhido em 1976 pelo Departamento de Polícia Federal, sob a alegação de conter “matéria contrária à moral e aos bons costumes”. O choque entre a classe marginalizada, pobre, e a burguesia abastada, pegou a rapaziada de jeito.

Que a cisão social retratada no livro do Rubem possa começar a não mais fazer parte da nossa realidade, que possamos iniciar a extinção da desigualdade social no país, da corrupção, da injustiça e da violência histórica contra índios, negros, mulheres e
homossexuais. Que 2014 faça jus aos votos de felicidades!
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* Trocadilho com o nome do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) que registra os técnicos em mecânica.

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