Por que as antigas civilizações criavam tantos mitos? Qual a função dessas lendas que estão desaparecendo? Tudo isso tem uma explicação.
Na cultura Abenaki, tribo indígena da América do Norte, há uma lenda que conta sobre um homem solitário que encontra uma mulher bonita, de cabelos longos e claros como o Sol. Ela promete ficar com o homem, contanto que ele fizesse tudo que ela pedisse. Então, os dois caminham até uma planície coberta por vegetação seca e ela fala ao homem para pegar dois gravetos e esfregar um no outro rapidamente. Logo, ele aprende a fazer uma fogueira. Quando o fogo se extinguiu e o Sol começava a se pôr, a mulher, então, manda o homem puxá-la pelos cabelos e arrastá-la ao longo da parte chamuscada do chão. Ao fazer isso, uma espiga brota das cinzas e o homem descobre o milho.
É uma lenda simples e velha como o tempo, mas carrega pontos que servem de intenso debate e profunda reflexão. Afinal, de onde surgiram os mitos e quais são as suas funções? A resposta para a primeira pergunta é assunto para outro post. É no porquê dos mitos existirem que eu quero chegar.
Talvez o período da breve história humana onde mais se criaram lendas e mitos foi durante as grandes migrações tribais, nos períodos antes da civilização. Nosso contato com a mãe natureza era direto, dependente e crítico para nossa sobrevivência. Estávamos apenas engatinhando na trilha da adaptação e rumo a nosso título de espécie dominante. Portanto, ainda dependíamos da boa vontade da mãe natureza para tudo. Rezava-se para que as chuvas caíssem, que a estiagem passasse, que a presa não fosse rápida o suficiente, entre inúmeras outras razões.
Portanto, não é de se estranhar que fossem criadas divindades e forças sobrenaturais ligadas à natureza. O ser humano tem a necessidade de personificar um fenômeno que não compreende direito, de forma a ter mais facilidade de lidar com o desconhecido. Um trovão atingindo uma árvore e deixando-a em chamas, posteriormente causando um incêndio, certamente me pareceria aterrorizante se eu não conhecesse as leis da combustão e a eletricidade.
O primeiro passo do ser humano para a criação do sobrenatural foi este com a natureza, onde o mito era algo maior, e o humano um mero instrumento ao bel-prazer dos deuses da natureza. A quantidade de religiões mortas que devem ter existido e hoje não são conhecidas por falta de registro deve ser enorme. Conforme a tecnologia e o conhecimento do ser humano foram evoluindo, ele deixou de ter um comportamento tribal para se assentar e desenvolver a agricultura. A relação com os deuses também mudava, pois agora o ser humano começava a entender o funcionamento do mundo e seu poderio sobre a natureza desabrochava. A partir de então, começávamos a entender o que os seres superiores queriam de nós.
Com o estabelecimento das primeiras civilizações, a guerra ideológica dos mitos era vencida pelas crenças que tinham mais adeptos. Os mitos criados começavam a ganhar ares de religião formal. O apogeu das primeiras grandes civilizações, como a mesopotâmica e a egípcia, tiveram muito a ver com o sucesso das religiões com os adeptos cada vez mais numerosos. Isso foi elevado exponencialmente com a invenção da escrita.
Cada vez mais o mito deixava de ser algo assustador e temido para tornar-se curioso e respeitado. Os adeptos buscavam mais conhecimento, e os intermediários entre os mortais e os divinos ficaram mais numerosos. As religiões convertiam-se em forças motrizes para o arrebanhamento de fiéis e manipulação de multidões. Meu ponto não é entrar numa discussão de religiões, mas é inegável que a maior parte delas (se não todas) evoluíram de crenças simples elaboradas ou recebidas de alguma forma por um grupo pequeno de indivíduos de milhares anos atrás.
À medida que a sociedade evoluiu até os tempos modernos, o sobrenatural tomou formas complexas e diferentes para cada civilização. Os conflitos de crenças levaram a guerras e a maravilhas. O que começou como uma ideia, presságio ou sonho milhares de anos atrás, hoje, repercute a consequências globais.
O mito então é uma projeção da psique humana frente ao desconhecido, tentando dessa forma explicá-lo ou tornar aquele fenômeno mais pessoal, de forma ao indivíduo assimilar melhor a experiência vivida.