Isaac Bábel e os contos sobre guerra de um escritor que morreu fuzilado

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A leitura de O exército de cavalaria, de Isaac Bábel, é um belo recorte cômico da tragédia encenada pelos seres humanos

Isaac Babel. Lubyanka mugshot, May 1939. From: Seergey Povartsov, Prichina smerti -- rasstrel (Cause of Death - Execution). Terra: Moscow, 1996.
Isaac Bábel (Maio de 1939)

Pouco antes da guerra soviética-polaca, os comunistas assumiram o poder na Rússia, sendo desejo de Lênin instaurar regimes socialistas por toda a Europa. Vladimir Lênin que, aliás, ordenou a invasão da Polônia em 1919.

Neste contexto, um jovem escritor de vinte e seis anos, em 1920, interrompe sua produção literária e une-se ao Exército Vermelho para documentar os horrores da guerra. Apesar de em um primeiro momento esta produção ser jornalística, os escritos da época viriam a se tornar no futuro uma belíssima coletânea de contos, em que se vê a crueldade dos cossacos, do citado Exército Vermelho, contrastando com a sensibilidade de Bábel.

Russo de origem judaica, Isaac Bábel se dedicou à música e ao talmude na adolescência. Depois fracassou ao tentar ingressar na Universidade de Odessa, acabando por ir estudar no Institute of Finance and Business. Somente em 1915, ao mudar-se para São Petersburgo e encontrar-se com o escritor Máximo Gorki, que praticamente o adotou publicando em sua revista alguns dos contos de Bábel, é que a carreira do jovem escritor começaria a ser notada.

Curiosamente, apesar de socialista confesso, após retornar da guerra – e nos quase quinze anos seguintes escrever Exército vermelho (contos), Contos de Odessa, Maria (teatro), ter declarado no primeiro congresso da União dos Escritores Soviéticos (1934) que estava se tornando “o mestre de um novo gênero literário, o gênero do silêncio” – e ser um defensor do marxismo e do stalinismo, foi preso e torturado, sendo executado durante o Grande Expurgo de Stálin.

O exército de cavalaria
: recorte cômico da tragédia encenada pelos seres humanos

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O exército de cavalaria (Cosac Naify, 2015)

Conforme Boris Schnaiderman declara num dos ensaios ao final de O exército de cavalaria (Cosac Naify, 2015), Bábel certa vez disse a um amigo:

“Eu pego uma bobagem – uma anedota, um relato de feira – e faço dela um objeto do qual eu mesmo não consigo me desprender. […] E a força desse encadeamento é tal que não será rompido nem com um raio. Vão lê-lo, esse conto. E vão lembrá-lo. Vão rir dele, de modo algum porque ele seja alegre, mas porque sempre dá vontade de rir diante da realização humana […]”.

Este aspecto da literatura de Bábel é notável. Os contos de O exército de cavalaria possuem um lirismo que coloca em uma mesma tela a beleza de uma paisagem e os resultados da guerra – um soldado ferido ou um cavalo morto –, como se uma coisa e outra se completassem. São narrativas que não são feitas apenas de linguagem, mas de enredos cativantes e, por vezes, cômicos.

É o caso do conto Pan Apolek, no qual, como o narrador afirma no início do conto, revela-se um “Evangelho que o mundo desconhecia” (pg. 27). O soldado chega a uma cidade chamada Novograd-Volynsky e se hospeda no apartamento de um padre fugitivo, onde vê uma pintura nomeada de A morte de Batista, cuja face do personagem bíblico reconhece ser de um homem da comunidade. Na capela, encontra inúmeras outras pinturas de Apolek em que as figuras bíblicas têm as faces emprestadas dos cidadãos locais. O conflito entre a igreja e o pintor ambulante se arrasta por três décadas até o dia em que um vigário, após ver em várias casas os moradores feito santos nas pinturas de Apolek, diz à multidão que defende o pintor: “Ele canonizou vocês em vida”; e um receptador de mercadorias roubadas e guarda de cemitério responde: “[…] E porventura não há mais verdade nos quadros de Pan Apolek, que adulam nossa vaidade, do que nas suas palavras, cheias de injúrias e de ira senhorial?” (pg. 33). O conto prossegue para um final brilhante de Bábel.

As demais narrativas do livro retratam os cossacos, o preconceito que os judeus sofriam no tato diário, as ironias da guerra entre outros temas.

O exército de cavalaria, de Isaac Bábel, é um volume de contos que beira a perfeição, construído em torno de uma unidade temática, com enredos que surpreendem e uma linguagem apurada – escrito por um artista que consegue apreender em sua arte o melhor e o pior da natureza humana.

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