Um dos mais famosos criminosos americanos, Charlie Manson é radiografado na biografia escrita por Jeff Guinn
Em edição de luxo publicada pela editora Darkside, a biografia Manson, escrita por Jeff Guinn, é uma verdadeira aula de literatura, pertencente à mais forte corrente do jornalismo literário. Desde o princípio, somos levados às origens deste personagem intrigante da cultura americana: Charlie Manson.
O livro se a abre com uma aparição de Manson, muito antes de instigar seus seguidores a cometerem assassinatos, junto com Dennis Wilson, o baterista dos Beach Boys, em uma festa, quando ainda buscava fama e os contatos certos para se tornar uma estrela do rock. O capítulo se encerra quando Charlie está no meio da pista, com todas as atenções voltadas para si. Como num filme, assim que viramos a página, o capítulo dois então nos leva à infância de Manson, tal qual se após a primeira cena, das pessoas admiradas com aquela pequena, barbuda e estranha figura, voltássemos às suas origens, ao processo que o tornou assim. Passamos a seguir uma história familiar muito comum, de uma mulher, Nancy, extremamente religiosa que perde o marido, assim como o controle da filha adolescente, Kathleen. A menina começa a sair à noite, dançar e se divertir em uma cidade próxima. Apaixona-se por um cara que acaba a engravidando e depois desaparece. Mesmo assim, ela consegue um marido, tem o filho e o batiza como Charles Manson. Mas a vida pacata não contém seu senso aventureiro. Então torna a sair à noite, deixando o marido em casa, até ser presa por armar um golpe junto com seu irmão e passar cinco anos em cana.
Daí para frente, seguimos mais ativamente nosso protagonista, o pequeno Manson. Primeiro ele vai morar com a tia, mas após algumas confusões com a prima e uma tentativa frustrada de morar com a avó, cujo único objetivo é arrastá-lo para a igreja, resolvem colocá-lo em uma escola em regime de internato.
Manson vai crescendo e passando de escolas para reformatórios e daí para a cadeia, pouco depois de alcançar a maioridade. É no presídio que aprende as principais habilidades que o iriam impulsionar quando saísse dali. Primeiro, passa a fazer os cursos à distância de oratória e vendas oferecidos pelo instituto Dale Carnegie (do famoso livro Como fazer amigos e influenciar pessoas). Também aprende a tocar violão e se aproxima de ex-cafetões, interessado em absorver tudo sobre como aliciar mulheres.
Quando solto, Charlie Manson se depara com um mundo diferente. Uma América caótica após a influência hippie e as manifestações dos negros exigindo seus direitos. Sua estada entre o pessoal da ideologia paz e amor o influencia a se tornar um guru, como os tantos charlatões com conceitos pseudomísticas que via por todos os lados. Mistura as ideias hippies com coisas da Bíblia e outros pensamentos próprios e começa a formar um grupo, seus seguidores, a “família” – como viriam a ser conhecidos no futuro.
O mesmo grupo a que, anos depois, convencerá a matar pessoas (como Sharon Tate, atriz casada com o diretor Roman Polanski, que havia filmado pouco tempo antes O bebê de Rosemary) e dedicar suas vidas a si, abnegando de todo egoísmo, quando ele mesmo apenas os manipula para alcançar seu propósito, tornar-se um astro do rock.
Por que ler a biografia de um assassino?
À medida que o retrato concebido por Jeff Guinn me aterrorizava, me encantava a forma como ele vai narrando a história. Em poucos momentos, atreve-se a julgar o comportamento de seu personagem, Charlie Manson. Vamos acompanhando progressivamente as decisões de Manson, como vai traçando seus objetivos tortuosos e a forma com que compreende as consequências de suas decisões, nunca se colocando no papel de culpado.
Sempre vítima do mundo cruel ao seu redor – posicionamento semelhante ao que vemos em muitas pessoas que conhecemos.
Depois de algumas páginas, sente-se uma agonia ao notar o quanto o ser humano é não apenas manipulável, mas muitas vezes até implora por ser manipulado, por alguém que diga o que tem de fazer. Mesmo presos, muitos dos seguidores de Manson se mantiveram fiéis a ele por muito tempo. O final, aliás, quando acompanhamos o julgamento de Charlie, prende nossa atenção do começo ao fim.
Ler a biografia de um assassino é, muitas vezes, identificar comportamentos que nós mesmos temos. No entanto, também assumir que o que nos diferencia de quem chega a certos extremos é apenas um ponto de vista diferente. Isso chega a ser assustador.
“Por 35 anos Charlie Manson desejou ser o centro das atenções, culminando em sua ambição de ser maior do que os Beatles. Enquanto marchava arrastando correntes para dentro das celas, com câmeras fotográficas e espectadores observando-o fascinados, Charlie sentiu que finalmente estava chegando perto. Ele quis essa atenção durante toda a vida e estava preparado para aproveitá-la ao máximo.” (pg. 343).