Marighella: O homem que amou o Brasil

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Marighella: O homem que amou o Brasil

A cinebiografia “Marighella” é o primeiro filme de Wagner Moura como diretor, e traz humanidade à luta do político, escritor e guerrilheiro comunista que carrega o mesmo nome do título.   

Seu Jorge como Marighella: Foto divulgação

O enredo

O filme, roteirizado por Felipe Braga e Wagner Moura, baseia-se no livro “Marighella – O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, de Mário Magalhães. Diferentemente de outras produções com teor biográfico, não traz a trajetória completa da vida de Carlos Marighella. Ao invés de seguir a cronologia de infância, juventude e morte, o enredo concentra-se no auge da luta política e armada do protagonista contra o regime militar brasileiro, na década de 60, ao mesmo tempo em que dedica parte da narrativa para mostrar simultaneamente as faces de Marighella como pai, amante e amigo.  

A luta do protagonista

Logo no início, vemos cenas reais da tomada de poder por parte dos militares em 1964, juntamente com letreiros que explicam como o golpe contra o presidente eleito João Goulart se deu. Posteriormente, Carlos Marighella é apresentado: “Baiano, neto de escravos sudaneses, escritor traduzido em diversas línguas, torcedor do Vitória e, segundo a ditadura militar, o inimigo número um do Brasil”. E assim, com essa caracterização, o protagonista é humanizado muito antes de vermos seu rosto ou conhecermos sua luta.  

Em seguida, presenciamos Marighella, interpretado por Seu Jorge, tomando um trem junto com seus companheiros de resistência, todos armados, para sequestrar armamento para sua luta. Ele deixa claro para seus reféns, durante o momento do ataque, que aquilo é uma ação revolucionária para salvar o Brasil. Esse aviso é feito em diversos outros momentos do filme, como uma forma de justificar os meios agressivos dos quais eles estão fazendo uso para resistir, para libertar o Brasil dos verdadeiros opressores.  

Pai e guerrilheiro

Imediatamente depois, o espectador é trazido para um momento anterior, um flashback de Marighella antes de se juntar a luta armada. Ele está em uma praia do Rio de Janeiro com seu filho, ensinando-o a boiar. Está mais alegre e leve, mas logo notamos o peso da despedida que aquele momento carrega, pois ele irá mandar seu garoto para morar com a mãe em Salvador, onde ficará mais protegido das atitudes que o pai pretende tomar dali em diante.  

Enquanto luta contra um regime opressivo que prende, tortura e mata seus conterrâneos, as forças institucionalizadas da repressão lideradas por Lúcio, o detetive fascista interpretado brilhantemente por Bruno Gagliasso, se organizam para caçar Marighella e seu bando. O único objetivo é “matar preto e matar vermelho”, como o próprio detetive diz, recebendo apoio total da diplomacia dos EUA. 

Fonte: Extra online

Como parte da estratégia revolucionária, com o objetivo de unir o povo contra o autoritarismo, o protagonista divulga mensagens de resistência nas rádios, em conjunto com a Aliança Libertadora Nacional (ALN), organização da qual fazia parte. 

O Carlos Marighella que Wagner Moura nos apresenta é dono de uma coragem inspiradora para seus colegas, não tem medo da morte e traz uma dignidade admirável mesmo quando está cometendo atitudes agressivas. Na cena em que Marighella está combinando um roubo para financiar a luta, seu grupo tenta convencê-lo a não ficar na linha de frente, mas ele recusa e diz que todo revolucionário é igual, por isso não aceitará tratamento diferente. Logo, ele completa com a frase: “As pessoas precisam saber que no Brasil tem gente resistindo e que essa luta é justa.” 

Contexto histórico: ditadura militar

O contexto histórico do Brasil que esta narrativa traz é agressivo, repressivo e selvagem. Exigiu radicalidade também nas atitudes dos revolucionários e de seu líder em busca de liberdade e justiça. Durante uma entrevista para um jornalista francês, Marighella até chega a dizer que as lideranças brasileiras foram covardes quando o golpe aconteceu em 64: “Tem gente que acredita em combater a violência com discurso, com reunião. A gente acha que tem que ser olho por olho”.  

Uma das melhores mensagens está na cena em que Lúcio precisa confirmar em depoimento o que aconteceu na noite do assassinato de Marighella. Enquanto mente em seu testemunho dizendo que o guerrilheiro estava altamente armado e reagiu, logo atrás do detetive está uma placa com as palavras “Verdade e Justiça” acompanhando o nome do Brasil.  

Assim que é avisada sobre a morte do protagonista, a ex-mulher de Marighella, acompanhada do filho, grita diversas vezes: “Esse homem amou o Brasil”, trazendo toda a emoção e empatia diante da dor da perda de um herói que foi arrancado de sua luta antes de vê-la vencida.  

Sobre a estreia e o contexto passado recente

Esta é uma obra de audiovisual que precisa ser observada e estudada levando em consideração a relevância do contexto político-social em que estava inserido durante sua produção. A estreia de “Marighella” no Brasil estava programada para acontecer em 2019, mas teve grandes contratempos, foi sucessivamente adiada e, apesar de ter circulado por vários festivais internacionais ganhando diversos prêmios, o filme apenas conseguiu ser lançado oficialmente no próprio país de origem em novembro de 2021. A Agência Nacional do Cinema recebeu acusações de censura de cineastas pelo adiamento da estreia nas salas de cinema nacionais.  

Portanto, considerando seu ano de produção, o longa de Wagner Moura visa incutir uma discussão sobre questões relativas ao passado recente sociopolítico do nosso país trazendo ao debate essa figura central – Luiz Carlos Marighella – da nossa história política recente. É um filme necessário para fazer o brasileiro refletir, pois traz temas que extrapolam as telas do cinema e que são de extrema importância para a História do Brasil: a Ditadura Militar. 

Créditos HL

Esse texto é de Gabriela Guratti para nossa coluna Cinemateca HL. Ele teve revisão de Evandro Konkel e edição de Nicole Ayres, editora assistente do Homo Literatus.

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