Não verás país nenhum, do escritor brasileiro Ignácio de Loyola Brandão, é uma distopia que apresenta o que poder ser um futuro próximo no Brasil
O livro de Loyola Brandão foi escrito nos anos 80 e hoje ele é surpreendentemente atual, porque muitos dos seus elementos se assemelham com coisas que acontecem hoje no Brasil. Podemos arriscar dizer que, com o tempo, essa distopia já tem mais elementos de realidade do que gostaríamos.
Do que trata a obra?
Em Não verás país nenhum, Souza, narrador-personagem, conta aquilo que poderá vir a ser o nosso país em pleno caos que o próprio ser humano criou com o passar do tempo: escassez de alimentos e água; proibição de livre circulação da população; opressão; autoritarismo; falsificação da história; o desastre ecológico ameaçando a sobrevivência; a violência direta e indiretamente exercida.
A história se passa São Paulo, uma cidade tomada pela poluição, após a morte dos rios, das plantas, dos animais e na qual as pessoas fazem de tudo para sobreviver. Não só São Paulo, mas também o país é tomado pelo chamado Esquema, uma espécie de força ditatorial muito semelhante àquela de 64. Há fichas para água, a que poucos têm acesso; fichas de circulação, pois não se pode mais circular por todo canto, cada um só pode pegar um ônibus predeterminado; carros não são mais usados; as comidas são todas feitas em laboratório; há, inclusive, um museu de água de rios. A história, nos livros, é sempre reescrita, de acordo com as ordens e critérios do Esquema.
Após experiências em laboratórios e explosões nucleares, pessoas se tornaram doentes; as mulheres são estéreis, as crianças quase não existem mais. De todo lado surgem pessoas estranhas, fugindo do forte sol que aniquila qualquer vida. Muitas têm uma aparência assustadora: há os carecas que estão descascando; pessoas que perdem as unhas; sujeitos sofrem de ossos amolecidos; há os que ficaram cegos, ou que os olhos saltaram e ficaram despencados; há os sem destes; os sem nariz; e aqueles com furos nas mãos. Há um medo generalizado, entre o que se pode considerar “classe média” de invasões e de assassinatos por parte desses miseráveis. Pobres, menos favorecidos, são transferidos para os chamados Acampamentos Paupérrimos, onde vivem em condições desumanas.
A atualidade de Não verás país nenhum
O que há muito assustador na obra distópica de Brandão é que, hoje, ela é muito atual. A começar, por exemplo, pela escassez de água e as secas. Principalmente, no que diz respeito à cidade de São Paulo, que já passou por vários momentos de escassez. Apenas teve acesso abundante à água quem tinha condições financeiras para comprá-la, o que não se aplica à grande parte da população.
Além disso, outro fato ambiental é o desmatamento. Em Não verás país nenhum, a falta de preservação do meio ambiente gerou tanto a inexistência de alimentos, os quais passaram a ser feitos em laboratórios, quanto a ausência de chuvas, calor insuportável e a escassez de água. Na obra, o que não foi desmatado, foi vendido para outros países, como é o caso da Amazônia. Esta, sabemos, tem ido pelo mesmo caminho, tem sido frequentemente desmatada, fatiada e entregue a outras mãos.
O calor no livro é insuportável. Não há mais chuvas há anos. Não podemos dizer que atualmente, em nossa realidade, isso acontece. No entanto, não podemos negar que nossa camada de ozônio está a cada dia mais obstruída e que, por isso, está cada vez mais calor e cada vez menos frequente dias chuvosos ou frios.
Outra questão, por fim, é o autoritarismo militar. Muitas vezes já presenciamos situações de violência policial, ou tomamos conhecimento por meio de notícias, nas quais imperam a opressão e uma carga de autoritarismo, seja nos protestos ou nas favelas. A polícia brasileira, hoje, é considerada uma das mais violentas do mundo. Diante disso, a população brasileira tem estado, cada vez mais, insegura diante a polícia, o que deveria ser o contrário.
Leia Não verás país nenhum
Essas questões mencionadas acima são apenas algumas pinceladas acerca da atualidade de Não verás país nenhum. Indicamos, portanto, a leitura da obra em um todo. Assim, você verá o assustador parentesco com a nossa realidade brasileira atual.
E verá, ainda, os questionamentos do narrador sobre o que é o futuro, buscando fazer com que você pense sobre o assunto. Chamando atenção para o que pode acontecer, caso não cuidemos não só de nosso ambiente, mas também de nossas escolhas políticas, que podem eleger governantes autoritários e com pouco ou nenhum interesse em direitos humanos e preservação de recursos naturais.
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Conheça Ignácio de Loyola Brandão:
Entrevista: Ignácio de Loyola Brandão Ignacio – Escritor com alma de cineasta