O pior crítico de F. Scott Fitzgerald: Ernest Hemingway

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Compilação de cartas e mensagens trocadas por personalidades históricas tem correspondência de Ernest Hemingway para F.Scott Fitzgerald com críticas ferozes para o livro Suave é a noite
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Cartas trocadas entre escritores costumam revelar muito dos bastidores e referências de criação de obras e personagens, além, é claro, de serem formas biográficas de representação do universo dos autores. É uma pena que no Brasil as editoras publiquem tão pouco esse tipo de material, pois é uma área fértil para o aprendizado de técnicas de escrita, como demonstra o livro Letters of Note: Correspondance Deserving of a Wider Audience, organizado por Shawn Usher (ainda sem tradução para o português). Apesar de divergências de opiniões e estilo literário, foi a partir de missivas trocadas a partir de 1934 que Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald compartilharam ideias a respeito de suas fabulações literárias, com críticas severas de um lado e outro. Veja alguns trechos traduzidos em versão livre a partir do original, quando Fitzgerald pede ao amigo Hemingway opiniões sobre o manuscrito Tender is the night (publicado no Brasil como Suave é a noite). Há duas versões da obra e a segunda é justamente a que passou por uma revisão de Hemingway e do crítico Malcolm Cowley. A primeira versão foi bastante criticada à época por sua estrutura temporal e sofreu ajustes para que ficasse mais palatável ao público.

“Caro Scott:
Eu gosto e não gosto. Começa com uma maravilhosa descrição de Sara e Gerald (…) Então você começa a brincar com eles, transformando-os em outras pessoas. Se você quer escrever sobre pessoas reais, não pode colocá-las em situações que normalmente não aconteceriam (…) Você toma liberdades com o passado e futuro que não produzem pessoas e sim histórias maravilhosamente falsas. Você melhor que ninguém pode fazer isso, mas não cometa esses erros bobos. Você pode escrever um excelente livro sobre Sara e Gerald no instante em que souber melhor sobre eles, quando os personagens se tornarem mais verdadeiros (…)
Há muito tempo, você passou a ouvir apenas a si mesmo. E o que seca um escritor é não ouvir (isso não é um insulto à você). É de onde tudo vem. Ver e ouvir. Você vê o suficiente. Mas parou de ouvir.”

Depois, Hemingway suaviza:

“O livro é bem melhor do que eu disse. Mas não tão bom quanto você pode fazer.”

Após isso, pede para que Fitzgerald não se preocupe com os críticos:

“Somos uma espécie de acrobatas que se arrisca em saltos poderosos e elegantes. Pelo amor de Deus, escreva e não se preocupe em fazer uma obra-prima. Eu escrevo uma página de obra-prima e outras 90 de porcaria. Eu tento jogar fora as 90. Mas você sente que precisa escrever bobagens para ganhar dinheiro.”

Hemingway pede então para Fitzgerald transformar as dores e paixões em energia criativa:

“Esqueça sua tragédia pessoal. Estamos todos ferrados desde o início e você precisa passar pelo inferno para escrever seriamente. Use a dor para escrever. Seja fiel e preciso como uma cientista. E não pense que algo seja muito importante só porque aconteceu com você ou alguém próximo. Você não é um personagem trágico. Nem eu. Tudo o que somos é escritores e o que temos de fazer é escrever.”

Zelda, esposa de Fitzgerald, é apontada por Hemingway como culpada pela falta de inspiração do escritor:

“Scott, bons escritores sempre voltam. Sempre. Você é duas vezes melhor agora do que quando pensava que era maravilhoso (…) Tudo o que você precisa para escrever é não se preocupar com o destino. Vá e escreva. Sempre seu amigo … Ernest.”

Letters of note é o mote central de várias compilações feitas por Shawn Usher, que se especializou em escrever sobre pequenos fragmentos biográficos de personagens importantes da história. As informações são coletadas em cartas, cartões postais, listas e diários com a ajuda de colaboradores. Letters of Note: Correspondance Deserving of a Wider Audience é um deleite para quem gosta de curiosidades sobre personalidades famosas e tem 125 cartas e mensagens que atravessam mais de um século de história, passando por Charles Dickens, Oscar Wilde até Mick Jagger.
 
Referências
http://www.lettersofnote.com/
Letters of Note: Correspondance Deserving of a Wider Audience – Shawn Usher – Chronicle Books

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