Personagens esquecidos da nossa história

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A série de vídeos Heróis de todo o mundo – a cor da cultura nos lembra os personagens esquecidos ou simplesmente coadunados da nossa história

machado

O Brasil é um país miscigenado. Nossa cultura é bastante rica por misturar elementos europeus, africanos e indígenas. Porém, não se pode afirmar que a convivência entre os diferentes povos tenha sido harmoniosa. Basta lembrar que fomos o último país independente da América a libertar os escravos. Esse ranço preconceituoso se perpetua até hoje. E nem sempre é fácil identificá-lo. O racismo no Brasil, justamente pela miscigenação, não é evidente. Costuma julgar-se somente pela cor da pele, conceito arbitrário. Afinal, o que é ser branco nesse país? Quem pode ter certeza da “pureza” de sua árvore genealógica?

É verdade que a História nos ajuda a compreender muitas questões do presente. Nosso processo de colonização exploradora, nosso longo regime de escravidão, nossos genocídios… Mas até da História devemos desconfiar. Ou pelo menos do que nos é apresentado dela. Hoje já se discute o heroísmo de determinados personagens, muitas vezes idealizados no interesse de promover um falso ufanismo. Outras figuras são simplesmente ignoradas pelos livros didáticos. Se pensarmos na representatividade dos negros na nossa História “oficial”, percebemos que pouquíssimos personagens são citados. Zumbi só é lembrado porque virou feriado.

Ok, mas precisamos considerar que as condições para negros e mestiços se desenvolverem eram muito precárias. Poucos tinham acesso à educação, a condições de vida melhores. De fato. Porém, mesmo passando por dificuldades, personagens importantes deixaram sua marca na nossa História. A série de vídeos Heróis de Todo o Mundo – A Cor da Cultura, disponível integralmente no Youtube, procura resgatar essas páginas esquecidas, abrindo outra perspectiva de compreensão histórica. Ela retrata 30 cidadãos brasileiros afrodescendentes, personagens apresentados por atores, sociólogos, professores etc. Desde figuras bastante conhecidas, como Machado de Assis, Mário de Andrade, Lima Barreto, Pixinguinha, Aleijadinho, até outros menos recorrentes, como Auta de Souza, Carolina Maria de Jesus, José Correia Leite.

Os vídeos se propõem a nos relembrar ou nos relevar fatos pouco conhecidos de algumas figuras ilustres afrodescendentes. Um dos mais interessantes é Juliano Moreira (1873-1932), de família pobre, que se formou precocemente, aos dezoito anos, em Medicina, e foi pioneiro na humanização dos tratamentos psiquiátricos no Brasil. Auta de Souza (1876-1901) e Carolina Maria de Jesus (1914-1977) lutaram para se afirmar como escritoras num cenário intelectual quase exclusivamente masculino. André Rebouças (1838-1898) virou nome de um túnel no Rio de Janeiro, por onde muitas pessoas passam sem conhecer a importância do engenheiro. No campo dos esportes, temos o atleta olímpico Adhemar Ferreira da Silva (1927-2001) e o jogador de futebol Leônidas da Silva (1913-2004), conhecido como o “diamante negro”. Na música, a cantora, Elizeth Cardoso (1920-1990), o compositor Pixinguinha (1897-1973), autor de Carinhoso. Representantes do candomblé, que lutaram pela aceitação da prática religiosa de origem africana, como Mãe Menininha (1894-1986) e Mãe Aninha (1869-1938), também são citadas.

Se a tentativa de “embranquecimento” dos personagens históricos pela versão didática poderia ser considerada uma política ultrapassada, basta lembrarmos de casos como o da propaganda da Caixa Econômica Federal de 2011, homenageando o escritor Machado de Assis, em que o mesmo era retratado por um ator branco. A crítica sofrida foi tão grande que a Caixa precisou reformular a propaganda, substituindo o ator por um mulato, mais próximo ao biótipo de Machado. Na minissérie global Chiquinha Gonzaga, de 1999, a famosa pianista é interpretada por Gabriela e Regina Duarte, quando, na verdade, ela era mestiça, e não tão branca como as atrizes em questão. Isso sem mencionar a representação de personagens negros na literatura, no cinema, nas artes em geral. Dificilmente são protagonistas, destinados a papéis menores, na função de empregados e conselheiros, mesmo nas telenovelas contemporâneas.

Precisamos resgatar nossa memória cultural. Precisamos nos orgulhar de nossas cores, de nossas raízes, e aceitá-las sem hipocrisia. Há muito as teorias deterministas do século XIX, pregando a inferioridade da raça negra, caíram por terra. Qual é nossa desculpa agora?

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