O que faz dos romances do japonês Haruki Murakami – onde pessoas caçam carneiros e falam com gatos – tão divertidos e atrativos?
Não há dúvida para muitos de que existe um grande escritor japonês hoje e ele se chama Haruki Murakami. Seus romances misturam de tudo: descrições precisas, tramas aparentemente absurdas, personagens solitários e confusos, fatos surreais, referências à cultura pop – seus personagens sempre ouvem discos, bons discos – e todo o resto. Com esse conjunto, ele foi capaz de arrebatar uma legião de fãs pelo mundo – inclusive o autor desse texto.
Mas, afinal, o que faz com que ele desponte em meio à legião de escritores que conhecemos hoje?
Se o compararmos com os melhores dentro do seu estilo pós-modernos – entre vivos e mortos – não encontramos inicialmente nada de diferente. Nada que Murakami faz já não foi feito por Thomas Pynchon, David Foster Wallace, Roberto Bolãno, Orham Pamuk, Don DeLillo, John Barth, Kazuo Ishiguro ou Alan Moore. Tudo está lá e também aqui; ele, porém, continua a despontar como um dos melhores escritores da atualidade, ganhando prêmios atrás de prêmios (o Prêmio Kafka e as sucessivas menções ao Nobel são exemplo disso).
Então, por que é tão legal lê-lo?
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Acho que – e falo de forma pessoal – é pelo fato de todos os seus personagens serem humanos demais, assim como nós, sendo inevitável uma empatia no decorrer das páginas dos seus romances. Identificamos-nos com o personagem sem nome de Caçando Carneiros pelo Japão em busca do carneiro do título porque ele tem problemas pessoais, cuida do seu gato, tem suas obsessões com orelhas; Toru Watanabe, personagem central de Norwegian Wood, sai da adolescência e entra na vida adulta cheio de conflitos e problemas – o suicídio sem razão do melhor amigo aos 16 anos, a mudança para a faculdade, o amor por Naoko, a ex-namorada do amigo suicida; já em Kafka à Beira Mar, o jovem Kafka Tamura vive assolado por maldições e problemas, fugindo de casa aos 15 anos, vivendo como se fosse um fantoche do futuro enquanto o destino, o simpático velinho Nakata, fraco de cabeça nas suas próprias palavras, fala com gatos – e ambos têm seus caminhos cruzados.
É em meio ao absurdo que Murakami nos mostra o prazer de seus personagens – quase sempre em primeira pessoa – ao comer pratos deliciosos, ao ouvir música ou simplesmente em conhecer novas pessoas em novas paisagens pelo Japão – e se você esperava um lugar habitado pelos samurais de Akira Kurosawa ou os estereótipos comuns referentes à terra do sol nascente, esqueça. Poderíamos qualquer um dos personagens citados acima ou os que ficaram por citar em Nova York, Porto Alegre, Londres, São Paulo, Paris – ou pior, eles podem ser nós mesmos perdidos nesse mundo cada vez mais estranho. Essa capacidade de colocar personagens tão próximos a nós talvez seja o fato de o número de leitores dele aumentar cada vez mais e de nos fazer lê-lo de forma tão prazerosa.