Por que o brasileiro lê tão pouco?

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Por que o brasileiro lê tão pouco?

Por que ainda hoje não conseguimos criar um grande público leitor em nosso país?

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No dia 31 de março desse ano o Jornal da Globo trouxe uma matéria na qual revelava uma assustadora realidade do nosso país: sete a cada dez brasileiros não leram um único livro no ano passado. Isso mesmo, 70% da população do nosso país simplesmente não abriu um único volume que fosse para folheá-lo. Em grandes cifras, dos 202.000.000 (duzentos e dois milhões) de brasileiros (estimativa feita no começo do ano) apenas 60.600.000 (sessenta milhões e seiscentos mil) cultivaram o velho hábito da leitura. Pode parecer grande a última cifra, mas quem assim o faz ignora sumariamente as outras 141.400.00 (cento e quarenta milhões e quatrocentos mil) pessoas que simplesmente não leram, seja qual for o motivo.

Em outras áreas das artes os números também não foram lá grande coisa, ficando muito abaixo da média.

Na matéria, que pode ser vista no link, os principais motivos apontados para esses baixos números são causados devido aos altos valores dos livros e à crise econômica que assola a nação.

Mas será que é esse o fato de termos um público leitor tão baixo? Por que o brasileiro lê tão pouco?

Uma possibilidade de resposta surge, a meu ver, no próprio vídeo. Aos quarenta e cinco segundos da matéria, surge um homem sendo entrevistado. Perguntado por que não leu um único livro no ano passado, sua resposta foi “porque deixei passar”. Ele afirma que não foi por falta de interesse, mas simplesmente “deixou passar”.

Uma verdade que pode parecer grosseira, e talvez seja em um primeiro momento, pode ser a causa desse mal nacional: a preguiça, pura e simplesmente a preguiça que toma conta da nossa gente. Aqui não faço distinção de credo, raça, cor, classe social e nível de escolaridade, pois todos, dos homens pompudos de terno que se orgulham de pôr nos seus currículos os MBAs aos mais simples cidadãos, passando inclusive por muitos professores, até os de literatura, do Brasil não gostam de abrir um livro. Falta-lhes palavras para responder qual o motivo dessa livrofobia, só sabem que, sei lá, nunca gostei de ler e na minha família nunca tive ninguém que fosse leitor. Há alguns que acusam, e com boa dose de razão, professores de literatura que destruíram seu gosto com tomos chatos de grandes nomes: Machado, Guimarães, Graciliano. Mas mesmo assim, ainda com a grande quantidade de professores de literatura a cometer atrocidades, isso não explica os sete não-leitores a cada dez. Nas escolas públicas há hoje o Plano Nacional do Livro e da Leitura, o qual faz com que caixas e mais caixas cheguem às escolas com livros bonitos e prazerosos. Estes, infelizmente, continuam a amargar a solidão das próprias caixas ou a das prateleiras de uma biblioteca esquecida.

E por que isso acontece ainda hoje em nosso país?

Não podemos culpar completamente os valores excessivos dos livros, uma vez que nas grandes, médias e pequenas cidades, por piores que sejam, há as antigas e boas bibliotecas públicas. Uma rápida pesquisa com os bibliotecários mostrará que o trabalho deles é ocioso pela falta de público.

Não podemos também culpar por completo a internet & Cia, pois eles abrem a possibilidade da leitura de livros em novos formatos nas mais variadas plataformas (computador pessoal, notebook, celular, tablet, kindle etc.). Se há uma revolução que a internet fez foi possibilitar, junto com o arquivo pdf, uma proliferação nunca antes vista na história da humanidade de acesso à informação – inclusive àquela dos livros. Se quisermos, em menos de cinco minutos, podemos ter toda obra de Shakespeare, Machado de Assis, Platão, Montaigne (a lista poderia se estender com muitos nomes). Ela, isso sim, permitiu que pessoas já dadas ao hábito da leitura tivessem acesso e experimentassem novas possibilidades de leitura.

(Estudos mostram que em vários países do mundo o número de leitores tem aumentado consideravelmente graças aos meios eletrônicos de leitura, quer sejam de primeiro mundo (Suécia, Finlândia, Japão, Austrália), quer sejam de terceiro mundo (Argentina, Uruguai, Bósnia, Etiópia, Nigéria))

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Há ainda aqueles mais saudosos, dados a visões utópicas do passado que dirão: “É culpa dessa geração sem limites e viciada que não sabe fazer outra coisa além de ficar no celular. No meu tempo, quando os professores eram duros, rígidos como se deve, líamos mais – e líamos melhor.” Essa mesma pessoa ignora que a porcentagem da população leitora nos últimos cinquenta anos, desde o advento do ensino universal estendido às classes baixas que normalmente não tinham acesso à escrita, aumentou consideravelmente o número de leitores – que era ridiculamente menor que hoje na década de 1960. Ainda por cima, digo sorrateiro, posso apostar que ele mesmo, paladino do passado, está nos sete dos dez, não no grupo dos três.

Mas será mesmo a preguiça a causadora desse fenômeno? Eu afirmo que sim e explico por quê.

Ao falar de preguiça, não estou usando o sentido clássico de ócio ou vadiagem. Ao retomar ao homem do vídeo citada antes, digo que a preguiça do brasileiro nasce de um emaranhado de problemas a reforçar falsas ideias. A primeira delas é a de que ler é difícil. Isso se dá, em grande parte, por não haver um grande público leitor. No Brasil, país que no século XXI ainda luta com o dragão do analfabetismo, aqueles que dominam a linguagem escrita e a tem há pelo menos três gerações na família são muito poucos. Um dos melhores meios de se criar e instigar ao hábito da leitura é a sala da própria casa. Não tendo esse hábito no cotidiano, tem-se que importá-lo de outros meios. O caso é que antes mesmo que os mais jovens tentem fazê-lo, os mais velhos, quer por ignorância ou por resquícios de um tempo em que apenas doutores de anel liam, desencorajam seus filhos e netos da empreitada de ler um volume inteiro. “É difícil demais, você não vai conseguir.” “Tentar para quê? Vai cansar no meio e deixar o coitado rolando.” Esse problema, que é real, advém de outro, um segundo que é possivelmente o pior de todos: a falta de sentido de ler.

Não foram poucas as vezes que ouvi, vi e li o seguinte argumento contra a leitura, em especial de literatura: Tudo bem, eu vou ler esse livro, mas o que faço com ele depois? Em que vou usar essa história? Se fosse ao menos um livro de ciências, quem sabe… O autor dessa frase não está interessado naquilo que a literatura, mais do que qualquer outra arte ou tipo de texto, pode proporcionar-lhe: a arte de viver outra vida sem sair da sua. Ler Guerra e Paz, de Tolstói, mais do que conhecer a Rússia durante as invasões napoleônicas, é viver e conhecer a vida de Natasha, do Conde Pedro, do Príncipe André e de todo sem fim de personagens que desfilam no romance. Italo Calvino aponta em Seis propostas para o novo milênio que a função última da literatura é essa, proporcionar vivências que no geral não teríamos por essa ou aquela circunstância. Esse utilitarismo boboca, de cunho insipiente e imediatista não nota, ou nega para si, que não vivemos apenas os próximos cinco minutos, a próxima semana ou mês. Estes que argumentam “que farei com esse livro?” não compreendem que o acúmulo de experiências lidas pode agregar ao seu cotidiano e à sua profissão em vários níveis: na forma como lidamos com nossos colegas, em como resolvemos os problemas que surgem no nosso trabalho, em como integrar um grupo de empregados para determinado fim, na forma como podemos criar algo novo graças a um detalhe bobo que lemos.

Esse último problema citado leva à preguiça pela possibilidade. De fato, poucos no nosso país no decorrer da História tiveram um meio em que livros circulavam diariamente. O conhecimento, aliado à supervalorização do livro como objeto até meados do século XX, criou uma áurea falsa de que a leitura 1) tem de ter um fim e 2) apenas alguns poucos capazes podem fazê-la. Além disso, a ideia de prazer, de gozo (Roland Barthes, em O prazer do texto, fala que não há como ter leitura sem o gozo da leitura) não está atrelada ao fato de abrir um livro e acompanhar suas linhas. Podemos culpas ao péssimo ensino, contudo seria apontar um único ladrão do bando. Provavelmente ainda sofremos as consequências da nossa colonização e do ensino reduzido a um grupo seleto de aristocratas e pessoas de posse. Aliada a uma visão excessivamente iluminista, pode ter criado uma preguiça, senão um novo, na nossa população para com o fato de pegar um tomo e folheá-lo.

(E a literatura não é a única a sofrer o peso dessa mania utilitarista-imediatista. As artes, em geral, sempre foram e parecem estar fadadas a se tornarem “ocupações de desocupados que não tem nada mais com que se preocupar.”)

Poderia discorrer outras tantas mazelas que reforçam o fato, mas seria apenas se repetir. Enquanto não mostrarmos aos 70% de não-leitores as maravilhas que para além da preguiça criada pelos fatos supracitados (e por outros tantos que se podem imaginar), seremos vistos como uma nação que cultua a educação e exige um ensino de qualidade, mas que sempre se manterá distante de um dos melhores e mais divertidos objetos dessa revolução: o livro.

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