Projeto incentiva a leitura das obras de autoria feminina: trata-se, segundo as idealizadoras, de um combate contra o machismo na literatura
Pense rápido: quantos autores você já leu esse ano? Dentre eles, quantos são mulheres? Provavelmente poucos. Não precisa se sentir culpado. Mas é importante refletir sobre as razões de poucas mulheres se destacarem na literatura, até hoje. Pode-se argumentar que, se muitas escritoras foram excluídas do cânone, pela rigidez machista da época, atualmente já conseguem ganhar mais espaço no meio literário: basta lembrar o sucesso da norte-americana J. K. Rolling ou a vencedora do Nobel deste ano, Svetlana Alexievich. Estamos progredindo, é verdade. Ainda assim, a passos lentos. As estatísticas comprovam a predominância de homens escritores reconhecidos: apenas 14 dos 108 vencedores do Nobel de Literatura são mulheres; a presença de autoras na Flip das duas últimas edições é de 21,1%.
A partir dessas questões, as três amigas, amantes da literatura e feministas Juliana Leuenroth, Juliana Gomes e Michelle Henriques decidiram criar o projeto Leia Mulheres, em março deste ano. Inspirado pela campanha #readwomen2014, divulgada pela escritora Joanna Walsh, o projeto funciona como um clube do livro, em que são propostas leituras de autoras clássicas e contemporâneas. O objetivo é que se conheçam e se leiam mais escritoras. O clube começou em São Paulo e hoje já organiza eventos por várias cidades. A programação pode ser conferida no site oficial.
Para quem acredita que iniciativas como essa sejam irrelevantes, um exemplo de que ainda existe machismo no mercado literário é a experiência da norte-americana Catherine Nichols, que percebeu conseguir mais respostas positivas de agências literárias ao usar pseudônimo masculino. Uma das idealizadoras do Leia Mulheres, Juliana Gomes, sintetiza a proposta feminista: “Ficamos felizes quando uma mulher ganha um prêmio como o Nobel ou o Jabuti. Mas o que queremos é que isso não seja motivo de comemoração, que seja apenas pelo texto”.
É evidente que o que se deseja não é que uma obra faça sucesso simplesmente por ser escrita por uma mulher, para “apoiar” a causa. No entanto, é preciso que se abra espaço para boas escritoras também poderem se destacar. Em Um Teto Todo Seu, ensaio de Virginia Woolf, de 1929, a autora já aponta essa dificuldade. Triste é perceber que o ensaio continua atual. Virginia supõe que a irmã de Shakespeare também seria escritora, tão talentosa quanto o irmão, porém, por falta de oportunidade, teria sucumbido num fim trágico de esquecimento. Seria diferente hoje em dia? Será que Shakespeare ainda se sobressairia, apenas pelo fato de ser homem? Bem, pelo menos no clube feminista sua irmã teria a chance de ser lida. E isso já significa alguma coisa.