A renúncia do autógrafo

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Noemi

Existem manias e peculiaridades que só cabem ao universo dos leitores amantes de livros de papel. Talvez a mais polêmica e esquisita seja o ato de cheirar livros novos – ou até mesmo velhos. Logicamente isso não se aplica a todos os viciados em literatura, alguns deles não entendem tal fissura e talvez nem mesmo os próprios “cheiradores” a entendem. Enfim, em tempos de redes sociais, esse hábito serve para a composição de memes engraçadinhos que geram curtidas e comentários entusiastas.

Mas, como já escreveu Marcelo Coelho, colunista do jornal Folha de S. Paulo, estamos em tempos de Kindle e telas digitalizadas. Muitos leitores aderiram à bugiganga tecnológica por inúmeras questões, tais como espaço, praticidade, comodidade, leveza, conforto. Para eles, todos esses requisitos mostraram-se mais importantes que o saudosismo papeleiro. As discussões sobre o advento do e-book e derrocada do encadernado já foram retomadas inúmeras e irritantes vezes. O ápice de um não significa a extinção do outro, sempre haverá consumidores para as duas plataformas, vide o exemplo do LP.

Porém, os indivíduos que veneram a experiência sensorial olfativa dos livros possuem uma outra paixão, que ajuda escritores a promoverem e venderem suas obras. Em noites de entrevistas e lançamentos, o grand finale é a formação de uma imensa fila de pessoas ávidas por uma assinatura (obrigatoriamente acompanhada de dedicatória) do seu venerado escrevinhador. Claro que me refiro às noites de autógrafo.

Na mesma Folha de S. Paulo citada acima, datada do dia 27 de setembro último, Raquel Cozer escreveu matéria sobre a crise que tais eventos enfrentam com a chegada do formato digital. Essas noites, sediadas normalmente em livrarias, são de extrema importância para a venda dos livros e consequente lucro das editoras. Pensando de maneira racional, concluí-se que um evento desse tipo, para autografar telas sensíveis ao toque, torna-se inviável. A graça da assinatura está na caligrafia gerada por uma boa e velha caneta esferográfica.

Já está circulando por aí um tipo de caneta feita para as telas de iPods e afins. Contudo, aqueles que já tentaram empunhá-la, relatam ser muito difícil controlar o traçado, que seria (im)perfeitamente natural com canetas clássicas, sendo o resultado final trêmulo e desastroso. Tirando o fato de que – não querendo parecer um romântico saudosista irremediável – uma dedicatória digital não tem o mesmo valor de uma assinatura a tinta, com a verdadeira marca do escritor.

Compreende-se que os leitores de e-books talvez queiram desfrutar de uma noite de autógrafos na companhia de seu escritor favorito. Mas é importante ter em mente que não se pode ter tudo. Aderindo ao livro convencional, excluí-se o fator prático. Adotando o leitor digital, um possível autógrafo cairia no esquecimento.

A vida não é um mar de rosas. A cada escolha, uma renúncia.

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