Resenha: Dois Irmãos – Milton Hatoum

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Então eu olho para o livro Dois Irmãos, após há pouco ter lido Relatos de um certo Oriente, e tento não propor comparações, não fazer perguntas, pois isto seria aumentar demais a expectativa antes de ler um livro, o que geralmente acaba comprometendo a leitura. Entretanto, para minha surpresa, este segundo livro de Hatoum é tão bom quanto o primeiro.

Aconteceu um ano antes da Segunda Guerra, quando os gêmeos completaram treze anos de idade. Halim queria mandar os dois para o sul do Líbano. Zana relutou, e conseguiu persuadir o marido a mandar apenas Yaqub. Durante anos Omar foi tratado como filho único, o único menino”.

Manaus é novamente a ambientação do livro, muito embora, o escritor consiga apresentar a capital amazônica com um garbo e elegância que foge à imaginação quando qualquer pessoa de fora da cidade pensa nela. E logo nas primeiras páginas, o trecho acima parece apresentar os traços básicos, uma espécie de rascunho, do conflito central da história. Halim é uma espécie de vendedor ambulante que ao frequentar um restaurante e acaba se apaixonando pela filha de Galib, dono do lugar, a jovem Zana. Passa alguns meses até que ele crie coragem para falar com a moça; mas um dia, aflito, é incentivado por um colega poeta, Abbas, além de um pouco de álcool, vai até o restaurante e recita os versos dos “gazais de Abbas” na frente de todos que estão ali. Dois meses depois, eles casam; o pai da moça vai ao Líbano para visitar os parentes e acaba não voltando, o que impulsiona o jovem casal a vender o lugar e começarem um novo negócio. Halim abre a sua loja e passa a viver bons momentos, até que vem a conversa da esposa de terem filhos, o marido reluta, tem medo de perder seus dias de prazer com a amada. É oferecido a eles uma “cunhatã”, uma menina índia, eles acabam aceitando e a criam como empregada, a menina Domingas. Logo depois, vêm os filhos do casal, Rânia e os gêmeos, Yaqub e o Caçula, Omar; para o regozijo de Zana. O menino que nasceu por último quase morreu logo após o parto, o que acabou por impulsionar um cuidado excessivo da mãe, estendendo-se desta forma por toda vida. Pouco antes dos irmãos se separarem, quando Yakub é enviado ao Líbano, acontece uma briga entre os dois, algo que vai assombrar a família pelo resto da vida; e assim começa a história, para dar uma rápida contextualizada.

dois irmaosOmiti um personagem importante, pois queria destacar sua figura de narrador que viveu aqueles fatos. No começo, senti-me como a procurar quem que estava narrando, já que o livro é em primeira pessoa. Sempre que alguém se referia a ele, narrador, usava do “tu isso”, “tu aquilo”; o que só acabou aumentando minha curiosidade; mas logo em seguida, descobri se tratar de um filho que havia nascido a Domingas, a índia que cuidava da casa. O grande lance de Hatoum está no fato de este narrador-personagem também estar lidando com um conflito, quem é seu pai? Será um dos gêmeos? Por que Halim o trata tão bem? Tudo isto se acumula, agregando mais força ao enredo.

Ao deparar-me com este segundo livro de Milton Hatoum, percebi ser recorrente na obra dele a construção de personagens femininas fortes. Zana domina tudo, os filhos,a casa, o marido; mas se por um lado há esta sensação de se estar lendo sobre uma grande mulher, não se perde o interesse pelos patriarcas das famílias criadas pelo escritor amazonense, todos um tanto reclusos diante das ocorrências da vida. Halim me cativou, por seu drama pessoal em relação aos filhos. Num trecho, ele é descrito assim:

… bêbado de idealismo, no amor excessivo, estático, com suas metáforas lunares. Um romântico tardio, um tanto deslocado ou anacrônico, alheio às aparências poderosas que o ouro e o roubo propiciam. Talvez pudesse ter sido poeta, um flâneur da província; não passou de um modesto negociante possuído de um fervo passional. Assim viveu, assim o encontrei tantas vezes, pitando o bico do narguilé, pronto para revelar passagens de sua vida que nunca contaria aos filhos”.

Enfim, é destes livros que deixam algo muito forte em você. Há uma divisão de sentidos, se por um lado a prosa dele é extremamente “fixante” de atenção, por outro se sente uma vontade de fechar o livro para pensar, conseguir captar todo o sentimento que está ali sendo transmitido. Recomendo.

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