Nosso presidente, Temer, é poeta – pode isso?
Dizem que o destino de Judas está relegado a todos os traidores. Contudo, por ora Michel Temer ainda goza de bastante proteção de sua guarda presidencial e de seus ajudantes de ordens, no Palácio do Planalto, morada que conseguiu à guisa de estratégias do tipo Frank Underwood.
Falando em Frank Underwood, toda a estratégia de tomada de poder do Temer, integrante do partido político com o menor índice de representatividade populacional brasileiro (PMDB), se assemelha grandemente aos estratagemas do personagem da série norte-americana House of Cards, da Netflix. A trama do Temer tem direito a conspiração, traição, tomada de poder pelo vice e participação da imprensa e tudo. Quando será que a Netflix vai pedir os direitos pelas tramas do golpe?
Seguindo a análise do maior anti-herói tupiniquim de todos os tempos (devemos pedir desculpas ao Macunaíma por essa “classificação”), o Michel Elias Temer Lulia, já tem uma poética intrigante no próprio nome: o primeiro sobrenome vem do verbo “temer” e o segundo viria de “Lula”? (ou seja: Michel Elias teme Lula?). Mas, para nosso desprazer, não satisfeito com a “pseudo poética” do seu nome, agora o Temer quer ser o fazedor de uma pseudo poética também na literatura!
Sim, o Temer agora quer ser poeta.
Antes já se considerava escritor por ter escrito um punhado de livros jurídicos, tendo, inclusive, arriscado um discurso patético na Feira do Livro de Frankfurt de 2013, que foi vaiado, no qual falou um pouco de seu então novo livro Anônima Intimidade (TopBooks, 2013) – claro, todo escritor tem que fazer propaganda de seus livros quando lhe dão um microfone ligado. O discurso meio senil, meio arrogante do Temer precedeu o discurso do escritor Luiz Ruffato, que lacrando a cerimônia, sentenciou sem erros:
“Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém…” (RUFFATO, Feira Frankfurt, 2013).
Aquelas palavras, contudo, não sensibilizariam Temer. Preocupação com um povo de maioria pobre e sem direitos passa longe de seus cabelos brancos esticados no gel. Mas então, o que sensibiliza o Temer? Seus próprios poemas, apenas, até onde se sabe.
E falando neles, não poderíamos deixar de mostrá-los!
Em entrevista ao Ilustríssima, da Folha de S. Paulo em 13/01/2013, o Temer disparava: “escrevi estes escritos para mim” (parece que é adepto da corrente de escritores que dizem que não se importam com o público, que escrevem só para si – por que publicam?!). E, pelo que diz, escreveu os poemas em guardanapos (ao estilo exótico de Schubert, pelo visto), entregando-se a pensamentos nos voos entre São Paulo e Brasília, enquanto ocupava o cargo de Vice-presidente meramente figurativo.
Sobre os seus poemas o canal BuzzFeed alegou que mereciam um impeachment!
Vamos a eles! Com vocês, Anônima Intimidade:
“FUGA
Está
Cada vez mais difícil
Fugir de mim!”
“TRAJETÓRIA
Se eu pudesse,
Não continuaria”
“PASSOU
Quando parei
Para pensar
Todos os pensamentos
Já haviam acontecido”
“PENSAMENTO
Um homem sem causa
Nada causa”
“SABER
Eu não sabia
Eu juro que não sabia!”
“RADICALISMO
Não. Nunca mais!”
A Folha de S. Paulo, notando a profundeza dos temas, achou por bem divulgar “poemas mais cumpridos”, vamos a eles também:
“ASSINTONIA
Falta-me tristeza.
Instrumento mobilizador
Dos meus escritos.
Não há tragédia
À vista.
Nem lembranças
De tragédias passadas.
Nem dores no presente.
Lamentavelmente
Tudo anda bem.
Por isso
Andam mal
Os meus escritos”
“EMBARQUE
Embarcarei na tua nau
Sem rumo. Eu e tu.
Tu, porque não sabias
Para onde querias ir.
Eu, porque já tomei muitos rumos
Sem chegar a lugar nenhum”
Disse o Temer que não recebeu críticas sobre os seus poemas, mas também que não recebeu elogios. Talvez porque não tenha procurado, talvez porque não queira ouvir, ou de fato tenha publicado um livro que é vendido a R$39, sem ter a intenção de que seja lido por alguém, assim, só por vaidade.
No entanto, não é preciso muito experiência em leituras, ou mesmo um diploma de crítico para perceber que os versos do Temer carecem de qualquer coisa que lhes empreste alma. Poemas sem poesia. Assim, pensamentos desprovidos de profundidade, escritos em guardanapos numa forma métrica que deu ao velho Temer a ideia de “serem poemas”.
Num país que gerou Castro Alves, Gregório de Matos, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Cecília Meireles, Mario Quintana, Manuel de Barros e tantos outros, o Temer quer ser poeta? Não precisamos justificar o espanto, a coisa é mais clara que a água: plagiar estratégias de House of Cards não dá a ninguém capacidade poética.
Pensar em Michel Temer como poeta é convalidar a atonia, a idiotização e falta de gosto presentes desde sempre, sobretudo na alta sociedade brasileira, características essas que o Lima já denunciara no seu Cemitério dos vivos:
“Esta nossa sociedade é absolutamente idiota. Nunca se viu tanta falta de gosto. Nunca se viu tanta falta de iniciativa e autonomia intelectual! É um rebanho de Panúrgio, que só quer ver o doutor em tudo, e isso cada vez mais se justifica, quanto mais os doutores se desmoralizam” (1961, 50).
O fato mesmo é que Temer é muito bom em matéria de dar golpes políticos com casca de juridicidade, é igualmente muito bom na finalização de toda a tramoia copiada da Netflix para poder assumir o trono presidencial tupiniquim. Pode até ser muito bom em dar um daqueles seus dedos esticados e magros para os protestos do povo às suas reformas conservadoras, mas, convenhamos: poeta, poeta mesmo, o Temer não é.
Por fim, cumpre relembrar (sempre) as palavras do Raduan Nassar (premiado com o maior galardão da língua, o Prêmio Camões) que sobreviveram às chacotas do pseudo ministro da cultura do Temer e servirão para identificar nossos dias nos anais da história:
“Vivemos tempos sombrios, muito sombrios (…)
O golpe estava consumado!Não há como ficar calado.”
Referências
LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. Cemitério dos vivos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1961.
TEMER LULIA, Michel Elias. Anônima Intimidade. Rio de Janeiro: TopBooks, 2013.