Hoje vou falar um pouco sobre a poesia trovadoresca, que é dividida em poesia lírico-amorosa e poesia satírica. Antes que você saia correndo, não trago aqui teorias de livros didáticos. Conversei com quatro trovadores (de maneira fictícia, óbvio) para que você possa entender de vez o primeiro movimento literário de Portugal.
Estamos na Idade Média – época das Cruzadas e da formação do Estado português. Vivendo sob forte influência do feudalismo, esses quatro homens escreviam poemas e os musicalizavam, de maneira que suas obras fossem cantadas nos palácios.
Ps. Talvez você estranhe a linguagem dos trechos de cantigas que selecionei. Eles estão escritos em um idioma denominado “galego-português” – uma mistura de latim com o dialeto do povo dominado pelos romanos durante a invasão da Península Ibérica.
Poesia lírico-amorosa:
Otto: “Vivo no palácio e escrevo cantigas de amor. Tudo que escrevo é em meu nome, ou seja, meu eu-lírico é masculino, e eu jamais revelo o nome da musa de minhas cantigas. Estamos na Idade Média, vivemos de acordo com o sistema feudal, onde há sempre um senhor e seu vassalo. Meu amor segue nesse sistema: eu sou um eterno vassalo da mulher que amo, que a propósito, é perfeita. De qualquer maneira, ela, a quem você sabe que não posso revelar o nome, é casada. E se não fosse casada seria de uma classe social acima da minha! O amor é realmente difícil para mim. Você pode imaginar meu sofrimento. Jamais a terei em meus braços, tudo o que posso é observá-la de longe e assim, contentar-me em amá-la à distância.”
“A que tenh’eu por lume destes olhos meus
e por que choram sempre amostrade-me-a Deus,
se non dade-me-a morte.” – Bernal de Bonaval.
Manoel: “Eu vivo no campo e escrevo cantigas de amigo. Tenho muito orgulho de ser homem, mas escrevo como se fosse uma mulher – meu eu-lírico é feminino. Em minhas cantigas estou sempre discutindo com uma pessoa e às vezes, não me julgue louco, com a natureza. Minha visão de amor é mais humana, não há barreiras de classe social. Mas não se engane, eu também tenho a minha cota de sofrimento – em minhas cantigas, busco o amor que partiu. Cá entre nós, eu adoro marcar o que escrevo com paralelismo e refrões – coisas que o pessoal de Letras e Música irão estudar no futuro! Segredo maior: sabe aquelas músicas sertanejas que não saem da sua cabeça? Minhas cantigas são mais ou menos assim – escrevemos de uma maneira que a letra seja facilmente memorizada e dificilmente esquecida.”
“Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo!
e ai Deus, se verrá cedo!” – Martim Codax.
Poesia satírica:
Zé: “Pois é meu camarada, eu estou cansado de todo esse povinho do clero e da nobreza! Escrevo para colocar a boca no trombone, escrevo cantigas de escárnio. Adoro fazer jogos com palavras – ambiguidade é meu sobrenome! Não gosto de falar o nome da pessoa a quem me refiro, mas você não vai se confundir quando eu falar de um fidalgo miserável que necessita urgentemente de um chapéu!”
“e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!” – João Garcia d Guilhade.
João: “Para começar, fique sabendo que a D.Maria, esposa daquele fidalgo, adora comer fora de casa e eu não falo de comida não! O que? Grosseiro, eu? Escrevo cantigas de maldizer – faço tudo o que o Zé faz, mas eu sou mais corajoso! Quando estou com vontade, dou nome aos bois! Chega de tanta hipocrisia… todos irão saber dos escândalos que têm acontecido!”
“e direi-vos que lhi fará:
ante dum mês lh’amostrará
como sábia mui bem ambrar” – Pero da Ponte.
Otto, Manoel, Zé e João ficaram extremamente satisfeitos pela oportunidade de divulgar seus trabalhos e agradecem a paciência do leitor que acompanhou esta matéria até aqui. Fatores de ordem social, como a passagem do feudalismo para o mercantilismo, a criação de universidades, a valorização da vida cortês, entre muitos outros, colocaram um fim ao Trovadorismo que conhecíamos até então, dando espaço às novelas de cavalaria e cronicões. Mas isso fica para uma próxima.