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Em editorial de início de ano, nosso Editor-chefe reflete sobre a necessidade de desenvolvimento da leitura no Brasil, a partir de uma cena afegã.
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Na manhã de 27 de janeiro fui fisgado por uma pequena matéria em vídeo do Deutsch Welle Brasil veiculada no Instagram, intitulada “Vovó enfrenta Talibã com livros”. Nos cortes, podia-se ver uma mulher idosa perambulando pelas ruas de Cabul com uma pilha de livros nas mãos os oferecendo a transeuntes, recebendo ora “nãos” injustificados, ora explicações como “desculpe vovó, sou analfabeto e não consigo ler esses livros”, ora conseguindo vender exemplares a um ou outro afegão curioso para ler.
A reportagem relata que Gulljan – o nome da senhora dos livros – já havia sido ameaçada inúmeras vezes pelo Talibã, primeiro por estar nas ruas trabalhando – na lógica do regime, mulheres não poderiam – e em segundo por não estar vendendo livros islâmicos. Gulljan vende romances estrangeiros e não ficção e o faz para ajudar em casa e possibilitar a circulação de conhecimento.
Há uma necessidade clara para Gulljan, mas que para muitos de nós aparece em penumbra: precisamos ler mais e com mais qualidade. Se de um lado o analfabetismo é um grave problema que se espalha pelo mundo em pleno século das máquinas inteligentes, de outro lado, o analfabetismo funcional é uma realidade absurda de países como o Brasil. A pergunta sobre quantos livros se leu em um ano é, de um lado reducionista, de outro lado péssima uma vez que a maioria das pessoas não entende um só livro que lê e o problema do entendimento se estende à política, porque os cidadãos que não leem, ou que leem e não entendem, votam.
Enquanto muitos escritores consagrados prosseguem se esforçando em realizar oficinas de escrita para revelar novos escritores que estejam sob a sua batuta de influência – porque isso dá dinheiro –, o problema da leitura no país continua o mesmo: pouco se lê, quase nada se entende. Não deveríamos nos esforçar em conjunto por oficinas de leituras para a formação de bons leitores, sobretudo em parcerias com profissionais de educação básica?
Estamos entrando em um novo ciclo e a pandemia de Covid-19, que prossegue, nos dá uma perspectiva mais urgente de nossas necessidades. Ao mesmo tempo, 2022 é um ano eleitoral, momento em que os lobos se vestem de lã e tornam-se mui afáveis. A leitura, a perspectiva cultural, o olhar arguto é uma necessidade de primeira ordem no Brasil. Não estamos em guerra civil ou dominados por um regime ultraconservador terrorista que minou as instituições – embora estejamos presenciando a tentativa de implantação de um regime similar. Para além de todos esses assombros, vivemos o momento em que multibilionários e suas big techs desejam prender nossa atenção em telas coloridas de conteúdos às vezes dementes.
Gulljan e sua necessidade de vender livros, arriscando sua vida para tanto. Essa poderia ser uma cena distante, mas os problemas que ela denuncia nos são, infelizmente, muito próximos. 2022, e seu recomeço, não seria a hora de mudarmos isso?