As pessoas são muito sérias – assim disse Aldous Huxley

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Em entrevista, Aldous Huxley fala sobre drogas, dificuldades ao escrever um novo romance, entre outros temas

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Aldous Huxley viajou nas estrofes dos poetas Percy Bysse Shelley e William Blake, batizou um livro com uma frase emprestada de Shakespeare, escreveu sobre a cultura de seu tempo, se arriscou como roteirista, abandonou o conto e a poesia e se dedicou aos romances, e até professor foi – lecionou para Eric Arthur Blair e anos depois, quando este já tinha a alcunha de George Orwell, trocou cartas avaliando Admirável Mundo Novo e 1984.

Coube tudo isso e mais um pouco na vida de Aldous Leonard Huxley. É difícil descrevê-lo, desde sua persona inclinada à intelectualidade dos ensaios, seu receio assombroso com a evolução da tecnologia, um cinismo profundo e um humor muito sutil nas falas de seus personagens, e também no que se tornou perto de seus anos finais.

O texto a seguir é uma seleção de trechos de uma entrevista concedida por Aldous Huxley à Paris Review, publicada originalmente em 1960. É a maneira mais simples de saber quem ele foi.

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Raymond Fraser (entrevistador): Você reescreve muito?

Aldous Huxley : geralmente,  escrevo muitas vezes. Todos os meus pensamentos são segundos pensamentos. E eu corrijo muito em cada página, ou reescrevo muitas vezes.

RF: Você cria capítulos ou planeja toda a estrutura quando começa um romance?

AH: Não, trabalho em um capítulo por vez, procuro meu rumo enquanto escrevo. Sei muito pouco do que vai acontecer quando começo. Apenas tenho uma ideia geral, e ela se desenvolve na escrita. Às vezes—e já me aconteceu mais de uma vez—escrevo bastante, descubro que não funciona, e tenho de jogar tudo fora. Gosto de ter um capítulo pronto antes de começar o próximo. Mas nunca estou totalmente certo do que vai acontecer no próximo capítulo até tê-lo escrito. As coisas vêm para mim em gotas, e quando as gotas vêm tenho de trabalhar duro para transformá-las em algo coerente.

RF: O processo é prazeroso ou doloroso?

AH: Oh, não é doloroso, apesar de ser duro. A escrita é uma ocupação muito envolvente e às vezes exaustiva. Mas sempre me considerei muito sortudo de ser capaz de trabalhar fazendo algo que gosto. Poucas pessoas conseguem.

RF: Quando você começa um romance, qual ideia geral você tem? Como você começou Admirável Mundo Novo, por exemplo?

AH: Bem, começou como uma paródia de Homens feito Deuses, de HG Wells, mas gradativamente saiu da minha mão e se transformou em algo um pouco diferente do que eu pretendia. Quanto mais e mais eu me interessava no assunto, vasculhei cada vez mais longe do meu propósito original.

RF: No que você está trabalhando agora?

AH: No momento estou escrevendo uma ficção peculiar. É um tipo de fantasia, um tipo reverso de Admirável Mundo Novo, sobre uma sociedade onde são feitos esforços reais para realizar as potencialidades humanas. Quero mostrar como a humanidade pode ter o melhor do Oriente e do Ocidente. O local é uma ilha imaginára entre Ceylon e Sumatra, um ponto de encontro entre as influências indianas e chinesas. Um dos principais personagens é, como foram Darwin e meu avô, um jovem cientista em uma dessas expedições científicas enviadas pelo Almirantado Britânico na década de 1840; ele é um doutor escocês, semelhante a James Esdaile, o homem que inseriu a hipnose na medicina. E então, como em News from Nowhere e outras utopias, tenho outro intruso do mundo exterior, cujo turismo guiado descreve essa sociedade. Infelizmente,ele também é a serpente no jardim, olhando com inveja para esse Estado feliz e próspero.Ainda não criei um fim, mas temo que termino com o paraíso perdido – se é possível ser realista.

RF: No prefácio da edição de 1946 do Admirável Mundo Novo você fez algumas observações que parecem antecipar essa nova utopia. Ela já estava incubada naquela época?

AH: Sim, a noção já estava na minha mente naquele tempo, e me preocupou bastante desde então – não necessariamente como tema de um romance. Por um longo tempo pensei muito em várias formas de realizar as potencialidades humanas; e cerca de três anos atrás decidi escrever essas ideias em um romance. Está bem devagar porque tive de trabalhar a invenção. Sei claramente o que quero dizer, o problema é como encorpar as ideias. Claro, você sempre pode as usar em um diálogo, mas não tem como seus personagens falarem indefinidamente sem se tornarem transparentes – e cansativos. E sempre há o problema do ponto de vista: quem vai contar a história ou viver as experiências? Já tive muitos problemas no enredo e reordenando seções que eu já tinha escrito. Agora acho que consigo ver claramente o caminho até o fim. Mas temo que esteja ficando longo. Não sei o que vou fazer com tudo isso.

RF: Em seu livro As Portas da Percepção você falou principalmente sobre a experiência visual sob efeito da droga, e sobre pintura. Há ganho semelhante como um insight psicológico?

AH: Sim. Quando uma pessoa está sob efeito da droga, ela tem insights penetrantes sobre as pessoas em volta, e também na própria vida. Muitas conseguem acessar material enterrado. Um processo que tomaria seis anos de psicanálise acontece em uma hora – muito mais barato! E a experiência pode ser muito libertadora em outras direções. Mostra o mundo em que uma pessoa normalmente vive como uma criação deste ser convencional e condicionado que se é, e mostra outros mundos lá fora.

RF: Esse insight psicológico pode ser benéfico ao escritor de ficção?

AH: Duvido. Afinal, a ficção é fruto de esforço contínuo. O ácido lisérgico é uma revelação de algo fora do tempo e da ordem social. Para escrever ficção, se precisa de muita inspiração sobre pessoas em ambientes reais, e muito trabalho na base dessa inspiração.

RF: Como você se envolveu em experiências com ácido lisérgico?

AH: Eu estava interessado nisso há anos, e me correspondi com Humphrey Osmond, um jovem psiquiatra britânico muito talentoso que trabalhava no Canadá. Quando ele começou a testar os efeito do ácido em pessoas diferentes, me tornei uma de suas cobaias. Descrevi tudo isso no Portas da Percepção.

RF: De volta à escrita, no Contraponto o Phillip Quarles diz “Não sou um romancista congênito”. Você diria o mesmo de si?

AH: Não me vejo como um romancista congênito. Por exemplo, tenho uma grande dificuldade em inventar enredos. Algumas pessoas nascem com um dom incrível para contar histórias, um dom que nunca tive. Uma pessoa lê as notas do Stevenson de como os enredos de suas ficções chegaram em sonhos por suas mente subconsciente (ele chamava de “Brownies” trabalhando para ele), e tudo que ele fazia era lapidar isso.Nunca tive Brownie algum.

RF: O desenvolvimento dos personagens é mais fácil para você do que a criação de enredos?

AH: Sim, mas não sou muito bom em criar pessoas; não tenho um repertório muito grande de personagens. São coisas difíceis para mim. Suponho que seja uma questão de temperamento. Não tenho o temperamento certo.

RF: Alguns personagens dos seus romances parecem baseados em pessoas que você conhece – em David Herbert Lawrence e Norman Douglas e Middleton Murry, por exemplo. É verdade? E como você transforma uma pessoa real em um personagem de ficção?

AH: Tento imaginar como algumas pessoas que conheço se comportariam em certas circunstâncias. Claro que baseio meus personagens parcialmente em pessoas que conheço – ninguém consegue escapar disso – mas personagens ficcionais são muito simplificados; eles são muito menos complexos que as pessoas conhecidas. Tem algo do Murry em diversos personagens meus, mas eu não diria que o colocaria em um livro. E tem algo de Norman Douglas no velho Scogan de Amarelo-Cromo.  Eu conheci Douglas mais ou menos bem nos anos 20, em Florença. Ele era muito inteligente e um homem altamente educado, mas deliberadamente se limitou ao ponto em que não falava quase nada além de bebida e de sexo. Ele ficou chato depois de um tempo.

RF: Você parece ter se retirado da sátira nos últimos anos. O que acha dela agora?

AH: Sim, suponho ter mudado nisso. Mas sou a favor da sátira. Precisamos dela. As pessoas levam tudo muito a sério. As pessoas são muito solenes em alguns temas. Sou totalmente a favor de espetar agulhas em bulas episcopais e coisas afins. Para mim isso é um processo salutar.

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A entrevista completa pode ser lida aqui.
Inglês, 20~21 páginas

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