De Stephen King a Johnny Depp – Escrever entre a razão e a loucura

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Algumas janelas nunca deveriam ser abertas – é o que a capa do DVD alerta.

Eu era adolescente quando assisti A janela secreta pela primeira vez. Todo escritor (ou aspirante a escritor) deveria assisti-lo. Eu resumo o filme em uma pergunta: existe uma linha entre razão e loucura quando escrevemos?

O filme é uma adaptação de Meia-Noite e Dois: Janela secreta, Secreto jardim, uma das quatro partes que integram o livro Depois da Meia-Noite, de Stephen King. Do roteirista David Koepp (O Quarto do Pânico), A janela secreta (Secret window) é um suspense protagonizado por Johnny Depp e John Turturro que conta a história de Mort Rainey, um escritor best-seller que estava enfrentando um processo de bloqueio criativo. Tudo o que ele escrevia era considerado “lixo” e, portanto, sua única alternativa era selecionar o texto na tela do computador e apertar a teclinha delete. Bom, esse bloqueio criativo não era em vão. Seis meses antes, Rainey descobriu que a esposa o traía.

Algo precisava ser resolvido na vida de Rainey e ele só consegue voltar a escrever, quando de fato consegue resolver o que estava pendente em sua vida.

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O que é extremamente interessante, é o jogo que a câmera faz logo no início do filme. Você está diante de um espelho e vai se aproximando, se aproximando, até que você entra no espelho. É ali que a história de fato começa, na perspectiva daquele objeto. Segundo Chevalier, o espelho simboliza aquilo que está em nossas consciências, em nossos corações… isso é fantástico e traz um sentido ainda mais completo para a história! Espelho, espelho meu, existe alguém mais túrbido do que eu?

Rainey estava dormindo e foi acordado por alguém que batia insistentemente em sua porta. Quando ele a abre se depara com um homem, John Shooter (por favor, memorizem o sobrenome do sujeito!), que o acusa de plágio. Shooter não era um homem bonzinho e se um homem bonzinho irritado já é ruim, pense num homem mauzinho irritado. Não é para menos que, quando essa conversa de porta se transforma em ameaças e assassinatos, a situação fica completamente fora de controle.

Confira o trailer:

[Para que eu possa seguir com a reflexão, precisarei soltar alguns spoillers. Se você ainda não assistiu ao filme, pense bem antes de continuar a leitura desse texto]

“Sei que consigo”, disse Todd Downey pegando outra espiga de milho na tigela fumegante. “Garanto que, com o tempo, a morte dela será um mistério até para mim.”

O trecho acima é citado umas três ou quatro vezes ao longo do filme. Era parte do conto de Rainey. Era parte da vida de Rainey. É fato que a literatura nos afeta profundamente. Sou crente convicta de que, ou o escritor escreve sobre o que ele é ou sobre o que ele gostaria de ser e não é. E, conforme descobrimos no final de A janela secreta, Shooter nada mais é do que uma espécie de heterônimo de Rainey [heterônimo, diferente de pseudônimo, é uma determinada personalidade que o escritor cria e assume;]. Todas as conversas e os crimes cometidos ao longo da história foram de culpa exclusiva de Rainey; tudo aconteceu dentro da cabeça dele – justamente pelo fato de ele ter se envolvido demais com sua criação. Shooter escondia o verdadeiro desejo daquele escritor em crise: vingar-se da esposa. “Shoot her”, em inglês, significa “atire nela”.

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Você já leu algum livro que parecia ter sido escrito para você? No instante em que seus olhos percorrem aquelas letrinhas, você é capaz de enxergar a paisagem, de sentir a dor ou a alegria das personagens, de ouvir as conspirações dos vilões e as juras secretas dos amantes. Você está vivendo aquela história e é por isso que a literatura me fascina tanto! Um livro pode nos provocar, nos fazer rever alguns conceitos, nos ajudar a formular ideias (e a lista segue!). Eu já tive dificuldade em separar ficção da realidade e creio que o mesmo aconteceu com o personagem de A janela secreta.

Se quando lemos já somos impactados dessa maneira, imagine quando escrevemos. O escritor brinca de deus, pois nenhuma folha cai da árvore sem que ele queira. O que vale a pena lembrar é que, juntamente com essa responsabilidade de decidir o destino ficcional dos outros, vem a responsabilidade de decidir o destino real da própria vida.

Há uma espécie de mensagem subliminar em uma determinada cena do filme. Rainey está no carro e a câmera foca no espelho lateral (novamente o espelho!). Passa rapidamente, você precisa pressionar o pause para conseguir ler. No espelho está escrito: “Objects in mirror are closer than they appear”, traduzindo, “Objetos no espelho estão mais próximos do que aparentam”. Abraçando o sentido que Chevalier deu ao espelho, tudo o que levamos em nossos corações está perto. Muito mais perto do que sequer imaginamos.

Existe uma linha entre razão e loucura quando escrevemos? Eu conto quando descobrir.

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