De um lado, um renomado historiador, profundo conhecedor da teologia, porém ateu convicto. Do outro, um padre carismático, defensor de um Deus de amor e da ciência como amiga da religião. O diálogo entre os dois, Leandro Karnal e Padre Fábio de Melo, gerou uma discussão bastante profícua, pautada no respeito e no bom humor.
A conversa foi registrada no livro Crer ou não crer – uma conversa sem rodeios entre um historiador ateu e um padre católico.
Quais os temas do livro?
São abordados temas como de onde viria a fé, o medo da morte, se fé e ciência podem caminhar juntas, se a Bíblia pode ser reinterpretada, as guerras religiosas, etc. Comecemos pelos argumentos do padre. Ele acredita no Deus pregado por Jesus, ou seja, justo, amoroso e generoso. Antigamente, a Igreja caracterizava um Deus punitivo, ao qual se devia temer.
Fábio de Melo desconstrói essa ideia, ao substituir o temor pelo respeito. Conta que sua mãe o iniciou na religião católica, era uma pessoa muito sábia. E diz ser tocado pela palavra de Deus de modo natural e não místico. Ele é humano e também é tocado imensamente pela arte, crê que tudo pode ser manifestação do poder divino. Para ele, Deus nos quer alegres, em harmonia e comunhão.
Leandro Karnal, de modo brincalhão, acusa o padre de pregar o “fabismo” e alega que seus ideais são muito bonitos, mas, para ele, não funciona desse jeito. Apesar de ter sido criado dentro dos ritos católicos, nunca desenvolveu verdadeiramente a fé. Suas crenças pessoais são todas pautadas na ciência, na história. Ele também lembra as guerras religiosas, o quanto se mata em nome de Deus. Para Fábio, esse seria um mau uso da religião.
No que acreditam Leandro Karnal e o Padre Fábio de Melo?
Os dois acreditam que, ao longo da vida, o ser humano deve buscar evoluir, através do conhecimento e do amor ao próximo. A principal diferença é que Leandro Karnal crê que tudo acaba com a morte e Fábio acredita na vida eterna. O padre expõe que a evolução ao longo da vida prepara o espírito para a eternidade ao lado de Deus.
Eles também debatem sobre os católicos que não são cristãos, ou seja, frequentam a missa, seguem os rituais, mas, na vida cotidiana, maltratam a empregada, etc. Esses são perigosos, pois seus atos não correspondem a suas crenças. Fábio defende uma fé natural, uma espécie de confiança no ser humano. Ele precisa, por exemplo, confiar que o pão que compra na padaria não está envenenado, que o taxista o conduzirá ao caminho certo, etc. É por essa rede de confiança que a fé se aplicaria no dia a dia. Karnal admira a interpretação do padre, mas confessa que, apesar de respeitar as crenças e mesmo compreendê-las racionalmente, não tem mais a disposição interior necessária à entrega à fé. Ainda que se diga que não existe ateu de verdade em um momento de sufoco, Leandro Karnal não se consolou com a religião nem mesmo na morte do pai. Isso para quem quase virou padre quando jovem. Fábio o consola dizendo, generosamente, que “a Igreja perdeu um padre, mas o mundo ganhou um bom cidadão”. Karnal também simpatiza muito com o “fabismo” e, ao final, os dois concordam que “a quem não tem Deus, que tenha, pelo menos, Aristóteles”, considerado o pioneiro na exploração das questões metafísicas.
Opinião final sobre o livro
O debate é conduzido por temas, repleto de interpretações sobre a Bíblia e a história, chegando a contar com um Glossário ao final. Uma grande leitura, para os que creem e os que não creem, pois não há qualquer tentativa de convencimento de nenhum dos lados, apenas exposição de ideias e provocações filosóficas, como num bom debate. Numa época em que os valores humanos parecem tão frágeis, é sempre bom acreditar em alguma coisa, seja em Deus, seja no próprio homem, seja na ciência ou na arte.
Fonte: KARNAL, Leandro; MELO, Fábio de. Crer ou não crer: uma conversa sem rodeios entre um historiador ateu e um padre católico. São Paulo: Planeta, 2017.