Marcelo Labes: “Um poema não deve aconselhar o leitor, como se se tratasse de um versículo bíblico.”

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Marcelo Labes: “Um poema não deve aconselhar o leitor, como se se tratasse de um versículo bíblico.”

Poeta de Blumenau estreia novo quadro de entrevistas no Homo Literatus e revela os processos criativos de sua poética

“Poesia é neurose, ou não é”, diz o poeta Marcelo Labes durante a entrevista.

O poeta é um fingidor? Poeta bom é poeta morto? Poesia vende? Bob Dylan mereceu ganhar o Prêmio Nobel de Literatura? Fui procurar saber sobre essas e outras questões com o próprio poeta Marcelo Labes, que publicou recentemente Trapaça, através da editora carioca Oito e Meio. O título do livro parece ser uma provocação com o leitor.

Labes é natural de Blumenau, em Santa Catarina. Tem 33 anos e alguns livros publicados em sua bibliografia: Falações (EdiFurb, 2008)), Porque sim não é resposta (Antítese, Hemisfério Sul, 2015) e O filho da empregada (Antítese, Hemisfério Sul, 2016). Editor da revista eletrônica O poema do poeta, participou da mostra Poesia agora, realizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro.

Sobre o meu novo quadro, resolvi explorar uma nova forma de fazer entrevistas, fugindo um pouco do formalismo usual. A ideia é deixar o papo fluir sem roteiro pré-programado. Não há tempo para revisar o que se fala, de forma que Sem cortes está aí para isso.

Vamos, então, para o que realmente importa?

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Pronto para estrear o quadro “Sem cortes”, do Homo Literatus?

caceta

pronto

acho

vambora

Como surgiu a poesia em sua vida?

De uma maneira folclórica. Minha mãe descende de portugueses e meus tios tinham o hábito de nos visitar para cantar terno de reis. Tio Maneca tirava as letras, quadrinhas, no improviso. Isso me fez querer ter proximidade com a música e com a poesia. Mas no duro, livro mesmo, foi um “Espumas Flutuantes” carcomido que havia na despensa de casa. Havia sido de minha irmã mais velha. Eu tinha, sei lá, 11 anos. Depois, na escola, tive a oportunidade de escrever um primeiro poema. Minha juvenília é hoje um fiasco, claro, mas valeu a pena para começar.

Qual foi a sua visão ou sentimento naquele momento ao se deparar com a poesia de Castro Alves aos onze anos de idade?

Isso tudo é inusitado porque preciso contar de onde venho. Posso?

Claro, sinta-se à vontade.

Era bonito e sonoro. Rimava. Tinha ritmo simples, muitas vezes. Não entendia o que dizia (quando isso aconteceu, caí de costas), mas a sonoridade era encantadora. Então foi isso: fui encantado.

Nasci e me criei no sul de Blumenau. Um bairro operário de uma cidade operária. Meu pai se aposentou como tecelão na indústria têxtil. Minha mãe, como empregada doméstica. A lei por aqui, ainda hoje, manda ter um bom emprego técnico. Haviam poucos livros por lá. Castro Alves foi um achado. Foi um bom começo, gosto de Castro Alves.

É correto partir da premissa de que não necessariamente precisa entender poesia, basta senti-la? É isso?

Para o leitor, sem dúvida. Para o autor – e falo isso por mim -, creio que os caminhos devam ser outros.

Quais seriam esses outros caminhos?

Um poema não deve ser uma nota de diário. Um poema não deve aconselhar o leitor, como se se tratasse de um versículo bíblico. Ainda que seja um retrato, uma fotografia, o poema precisa provocar alguma reflexão ou sentimento (a partir do autor, claro) no leitor, ter essa intenção. Se não, é masturbação, apenas. E masturbação nem sempre consegue carregar consigo a poesia.

Seus primeiros versos surgem quando?

Quinta série. Numa aula de português. Atividade livre. Depois, no ensino médio, escrevi para o que costuma se escrever nessa época: reclamar do sofrimento da vida e conseguir uns beijos. Ali pelos 2000 e poucos foi que comecei a pensar no que escrevia e tentar dar acabamento para aqueles versos. É quando surge o Falações, meu primeiro livro. em 2008.

Tática infalível. (risos) 

Pode falar sobre o “Falações”?

Primeiro livro, descobri depois, é onde a gente acha que pode experimentar e tentar tudo, porque é uma aventura. Eu era novo, não tive muito aconselhamento, e acabou saindo daquele jeito. Ficamos anos brigados. Faz pouco tempo me fizeram ver que havia lá umas coisas boas, que valiam a pena. A partir daí, recomeçamos nosso relacionamento. De qualquer forma, gostando dele muito ou não, estavam lá já as vozes que viriam depois, nos livros seguintes, com mais força.

Foi um laboratório, neste caso?

Foi uma experiência interessante. E, sim, um laboratório para perceber que o que a gente acha que o livro será nem sempre é aquilo que o livro se torna depois de impresso.

Interessante isso. 

Você acha que poesia não vende?

Pôxa, isso é interessante. Acho que vende. Claro que não tem a mesma recepção de um romance ou um livro de contos. Na poesia, o contato entre autor e leitor é mais próximo do que na prosa – a identificação se dá por outros caminhos.

Vejamos: é mais fácil discutirmos uma história que lemos em comum do que por que motivo um poema me/te soa bem ou me/te comove. Mas eu ia falar de outra coisa: poesia vende na medida em que a comunicação se completa. Um poeta que comunica acaba chegando a mais pessoas, para além do círculo de amigos íntimos e familiares que gostam ou fingem gostar de poesia.

Certo.

Poeta bom é poeta morto?

Claro que não!

(risos)

Perguntei isso por conta da mitificação que sempre ocorre em torno de muitos poetas depois de mortos.

Leio mais poetas vivos do que mortos. Claro que existe a importância da ancestralidade nessa relação com a linguagem, mas muitas vezes a importância vem do conhecimento de como eles fabricavam poemas. Eu tenho a maior honra de conhecer e estar vivo ao mesmo tempo que poetas admiráveis, que admiro muitíssimo.

Quais são eles?

Rapaz, a lista é tão longa que não posso cair no pecado de citar alguns nomes e deixar de citar outros. Mas que isso sirva de recado para os nostálgicos: a produção de poesia no Brasil, sobretudo depois das editoras independentes e de alguma facilidade na produção de zines impressos e revistas eletrônicas, fez vir à tona uma produção pungente e atualíssima

Também enxergo isso. 

Você leu a antologia poética organizada pela Adriana Calcanhoto?

Não tive grana pra comprar. Os livros que tenho lido são os que chegam pela caixa de correio. Coisa fina ter amigos escritores.

Como é a sua relação com outros escritores? Se encontram em bares, livrarias ou cafés? Um poeta fala sobre poesia com outro amigo poeta? Existe essa relação retórica?

Aqui em Blumenau, quase nunca. Não saio muito de casa. Em Floripa costumo encontrar amigos escritores. A relação se dá mais pela internet, quase sempre. Essa é uma cidade operária. Encontros para falar de literatura não soam muito bem. hehe Mas sim: encontrar um escritor é sempre oportunidade de saber o que o cara tá lendo, o que ele tá escrevendo e qual a loucura que tem rondado a alma do sujeito. Isso me interessa muito: qual a loucura da vez.

A loucura dos últimos tempos em sua vida foi o livro de poemas intitulado “Trapaça”, certo? Pode falar sobre ele?

Quase isso. Voltei a publicar em 2015, com um livro-de-um-poema-só que se chama “Porque sim não é resposta” e que saiu por uma editora pirata de uns amigos. O Pqsim deu vazão pra um que se seguiu, “O filho da empregada”, também livreto, também entre a prosa e a poesia. “Trapaça” foi sendo escrito ao longo deste processo.

Quanto tempo?

Dois anos, mais ou menos.

“Trapaça” foi custeado através de um financiamento coletivo antes de ser publicado na Oito e Meio. Como surgiu a ideia? Foi difícil o financiamento coletivo?

Vivo em Santa Catarina, né, esse “estado de espírito”. Até então, achava difícil ser lido fora daqui se não fosse publicado numa editora bacana e de fora do estado. Depois vi que as coisas não eram bem como eu pensava. De qualquer forma, o livro foi enviado pra algumas editoras – uma que tinha a lista de livros programada para 2016, outra que estava em crise, portanto não publicaria, e a Oito e Meio, que leu, gostou do material e topou a publicação.

A parte boa é que “Trapaça” e os livros anteriores que havia publicado foram espalhados por dez estados do país, pra mais de 200 leitores, assim que publicado. A parte ruim é que os possíveis compradores do livro já o haviam comprado. Mas isso fez com que eu fosse atrás de outros leitores, caminho que sigo até hoje.

E daí outra coisa: a ideia de ganhar dinheiro com livro. Tenho ganho muito mais: pra cada livro que chega na caixa de correio, existe um livro meu chegando na casa de outra pessoa.

O financiamento então surgiu quando o poeta achava que não conseguiria ser publicado numa editora de respaldo?

Primeiro veio a ideia do livro, depois a do financiamento, por fim a editora apareceu. Eu precisava fazer tudo o que podia pra ocupar meu tempo no segundo semestre do ano passado. E consegui. Era isso ou a insanidade de vez.

Como é a sua relação com os leitores?

A melhor parte de tudo, acho. Sou neurótico com meus livros. Quase não quero expô-los quando surgem. E são eles que dão a resposta, são os leitores que fazem valer a pena. Não é sempre que chega um resposta, não na quantidade que eu queria. Mas sempre que um leitor aparece, é uma surpresa bonita.

Qual foi o retorno mais emocionante para ti?

Difícil elencar. Mas Trapaça foi publicado como uma despedida carinhosa para meu pai. Queria que ele, operário aposentado,, descendente de alemães lá do final de Blumenau pudesse compreender o que estava escrito. Essa simplicidade na maior parte de Trapaça faz com que os poemas cheguem mais perto das pessoas. Sem muito hermetismo. Ao mesmo tempo, há poemas muito pessoais que, naquela lógica de não serem masturbatórios, alcançam leitores na mesma medida que alcançam aquele eu que os escreveu.

Isso é realmente muito maluco.

A poesia nunca deixa de ser uma catarse então na vida de quem a escreve?

Escrita é neurose, ou não é.

Ana Cristina Cesar costumava dizer que escrevia poesia para “imobilizar” o leitor. E o Marcelo Labes, escreve poesia por quê?

Sempre acho que resolvo minhas dores, que resolvo traumas, machucados, cicatrizes, mas no fim eu continuo a escrever e retorno aos mesmos temas. Isso me mostra que a escrita, que a poesia, elas não têm o poder de cura. Parece que sim, mas não. O negócio é outro: retornar irritantemente aos mesmos temas pra tirar dali um poema-base, um poema que signifique tudo quando teria para ser escrito sobre determinado assunto.

A poesia seria então uma espécie de trapaça para o próprio poeta?

Eu me trapaceio sempre. Na vida como na poesia. E o poeta trapaceia com a linguagem.

O que acha sobre o Bob Dylan ter recebido o Nobel de Literatura?

Há pouca honestidade nisso tudo. A não ser, claro, a honestidade daquela voz lírica.

Acho que tanto faz. Sartre recusou o Nobel. Prefiro Sartre.

Além de poesia, você já escreveu textos de prosa. Pode falar um pouco sobre o seu lado prosador?

Meu lado prosador é de poeta. Escrevo um parágrafo ritmando e buscando a sonoridade de versos. Claro que há a valorização semântica, o significado que vale mais que a estética do poema. Os problemas da prosa e da poesia acabam sendo os mesmos pra mim. A forma como lido com parágrafos e versos é sempre meio parecida.

Há o gênero que você se sinta mais confortável escrevendo ou que goste mais?

A poesia é lar. A prosa, uma viagem pra um lugar desconhecido que, quando chego lá, lembro que já havia visitado antes. Me sinto mais à vontade com a liberdade de escrever, na verdade. Sem pensar muito se aquilo é prosa, poesia, prosa lírica e tal. Se sento e digo “vou escrever um conto agora”, acabo ficando com sono e vou dormir. Agora, se tenho liberdade de colocar pra fora tudo isso que sempre acontece aqui dentro, então são semanas de insônia e pouca alimentação: se prosa ou poesia, deixo para o leitor decidir o nome.

Escrever para ti, neste caso, é um mergulho interior?

É uma forma de não naufragar.

Escrever seria sobreviver ao caos da existência ou dar forma a ele?

São dois momentos distintos, mas que se complementam: o que antecede o poema é a necessidade de permanecer aqui, de permanecer escrevendo, levando adiante o incômodo (mais que o conforto) às outras pessoas. Já a materialização do caos, ou melhor, o formato que eu quero que minha neurose tenha para ser reconhecida e interpretada adiante, acho que é disso que se trata o ofício do poeta.

É preciso ter acima de tudo neurose para se escrever um poema?

Para se escrever qualquer coisa, acho. Não a neurose. A neurose vem com o tempo que se perde incomodando-se com qualquer coisa (uma lembrança, um cheiro, um toque, uma frase dita na hora errada, uma música, a sensação diante de uma obra de arte)… Enfim. Eu neurotizo pequenos momentos e penso em como dizer às pessoas o que me passou naquele momento. E aí sim, a partir da hora que tenho um mote, começo a me repetir, a tentar sair dum labirinto que eu mesmo criei. Poucas vezes consegui encontrar tal saída.

Acredito que se o poeta encontrar, não terá mais motivos de escrever.

Escrever não seria uma pergunta?

Exatamente. Um trabalho de Sísifo. Uma perda de tempo. Uma arte. Depende o dia, enxergo o fazer literário de uma forma diferente.

Escrever é fazer perguntas com respostas. Coisa impossível de ser resolvida. Ao mesmo tempo, armadilha à qual a gente se entrega sem muita resistência.

Café, uísque, cerveja ou mate?

Café. Cheiro, gosto e efeito de muito café.

Um livro indispensável na sua vida.

“Estrela da Vida Inteira”, de Bandeira, na poesia. Todos os nomes, de Saramago, na prosa.

Uma frase.

Algum aforismo de Quintana que soe a uma paulada, lá do Caderno H. haha Que tem muito a ver com a sina de escritor: “O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso”.

Uma palavra que defina nossa atual conjuntura política.

Sebastianismo

(risos)

Açúcar ou adoçante?

Açúcar

Uma trilha sonora para o nosso café.

Depois da terceira xícara, a trilogia tricolor dos Engenheiros do Hawaii.

Obrigado por estrear o quadro “Sem cortes”, do Homo Literatus, Marcelo. Você é gente finíssima!

Tu que é, Márwio, pra tirar tempo pras minhas lorotas! Espero te ler em breve.

 

Conheça mais sobre o trabalho de Marcelo Labes, através do Blog do Labes e de sua página no Facebook.

 

 

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