Olga Lengyel e a experiência feminina no Holocausto

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Olga Lengyel e a experiência feminina no Holocausto

A narrativa-denúncia de Olga Lengyel sobre os horrores que sofriam as mulheres vítimas de Auschwitz-Birkenau

 

Recentemente, aqui no Homo Literatus, exploramos a experiência de Primo Levi, judeu italiano enviado ao campo de concentração de Auschwitz, e que sobreviveu para contar-nos sobre sua experiência em É isto um homem?

A experiência do holocausto, no entanto, pode ter sido ainda mais degradante para as mulheres. É que, embora não se discuta amplamente sobre isso, além de todos os horrores da agressão, trabalhos forçados e humilhação, as mulheres sofriam violência de gênero, sendo sexualmente exploradas e prostituídas, dando à luz em condições subumanas e sofrendo abortos, tudo isso em meio à antecâmara do inferno.

Olga Lengyel, em Os fornos de Hitler, nos narra o testemunho de sua passagem por Auschwitz, contribuindo para entendermos como a experiência feminina se deu no holocausto.

Quando um oficial da SS jura

Olga Lengyel escreveu Os fornos de Hitler (1946) não apenas como um testemunho de sua experiência no campo de concentração, mas também como expiação do que acreditava ser seu pecado: enviar para a morte seus pais e filhos.

“Mea-culpa, minha culpa, mea maxima culpa! Não sou capaz de me absolver da acusação de que fui, em parte, responsável pela morte dos meus pais e dos meus dois filhinhos. O mundo compreende que eu não poderia ter adivinhado, mas, em meu coração, persiste o terrível sentimento de que eu poderia, de que eu deveria, tê-los salvado”

É que quando chegou ao campo, ela pediu para que eles ficassem unidos em uma fila separada. Fez isso acreditando que pouparia tanto eles, quanto sua mãe do sofrimento, além de terem uns a companhia dos outros. Mas o que ela não sabia era que aquela era a fila da câmara de gás.

“Crianças e idosos recebiam a ordem automática: ‘Para a esquerda!’. No momento da separação, ouviam-se gritos de desespero, apelos frenéticos de ‘mamãe, mamãe!’, que ecoarão para sempre em meus ouvidos. Mas os guardas da SS demonstraram que não tinham nenhum sentimento […]
A única explicação veio de um oficial da SS que nos garantiu que os mais velhos ficariam encarregados das crianças. Acreditei nele, supondo que fosse natural que os adultos aptos deviam trabalhar, mas que os velhos e os mais jovens receberiam cuidados.”

Um trabalho horrível

Seu destino em Auschwitz lhe colocou em uma posição de observadora e vítima de um espaço atroz. Um lugar onde todas as questões de gênero são extrapoladas: assédio, estupro, prostituição, entre outras.

Ainda assim, seu relato revela a sensibilidade e o senso de coletividade que envolvia as mulheres no campo. Elas tentavam a todo custo se manter vivas em meio à degradação, quase como a responder ao questionamento de Primo Levi: sim, é isto um homem. E mais além: é isto uma mulher.

Enquanto médica, Olga teve o pequeno privilégio de ser liberada dos trabalhos braçais e foi direcionada à enfermaria, onde ficou responsável por realizar os partos das mulheres que chegavam gestantes, ou ainda, que engravidavam no campo.

No caso de natimorto ou recém-nascido com poucas chances de sobrevivência, este era descartado. Quando saudável, mãe e bebê eram eliminados. Justamente por isso, incutidas de um sentimento inexplicável, Olga e outras enfermeiras, por vezes, realizavam os partos às escondidas e, em seguida, matavam os bebês – uma forma, ainda que cruel, de poupar a vida das mães.

“E, assim, os alemães conseguiram nos transformar em assassinas. Até hoje, a imagem daqueles bebês mortos me assombra. Nossos próprios filhos morreram nas câmaras de gás e foram cremados nos fornos de Birkenau, e nós exterminamos a vida de outros tantos antes que seus primeiros vagidos saíssem de seus minúsculos pulmões.”

Em uma espécie de espelho, a história de Olga se repete. Primeiro, se julga culpada pela morte de seus filhos. Depois, segue se culpando pela morte dos filhos de tantas outras mulheres.

A quem, no entanto, caberia tamanha culpa?

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