Paulina Chiziane: uma voz feminina em África

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Paulina Chiziane: uma voz feminina em África

Com o seu primeiro livro, Balada de Amor ao Vento, a escritora Paulina Chiziane foi a primeira mulher moçambicana a publicar um romance

Paulina chiziane - foto Douglas Freitas2
Paulina Chiziane | Foto: Douglas Freitas

Embora haja, atualmente, nomes de grande relevância protagonizando a literatura africana em língua portuguesa, ainda não é expressiva sua difusão em nosso país. Assim, é fundamental que tanto a leitura quanto o estudo da obra produzida em África ocorram em maior escala. Claro, levando-se em conta a ligação histórica, social e cultural entre o Brasil e esse continente. Infelizmente, um aspecto também dramático em relação à literatura africana escrita por mulheres. Pois elas são as que menos ainda nos chega.

Nesse contexto, é de especial importância o nome de Paulina Chiziane.

Quem é Paulina Chiziane?

A escritora moçambicana foi a primeira mulher a publicar um romance em seu país. Com Balada de amor ao vento (1990), Paulina inicia uma escrita testemunhal, em que reproduz a voz das mulheres e das tradições de seu tempo e traz à tona uma narração tão oralizada quanto profunda, como devem mesmo ser as histórias – seu ponto de partida literário. O livro inicia uma temática agora já referência da obra da autora: a mulher da sociedade africana.

Nas palavras da pesquisadora Tania Macêdo (2010), “é inquestionável que a denúncia da subalternidade feminina em diversas etnias do país e na sociedade moçambicana, em geral, é realizada por Paulina Chiziane”. Portanto, seja dentro da temática feminina, seja fora dela, Paulina reproduz em seu texto o conflito causado pelo novo. Ou seja, o colonizado em contraponto às tradições africanas. O leitor se depara com uma literatura de reflexões sobre o ser no espaço social. Não só isso, o mesmo leitor a busca pelo entendimento de sua função nesse ir e vir de corpos.

Niketche

Na contracapa da edição portuguesa de Niketche, uma história de poligamia (2002), seu livro mais popular, há uma fala da escritora esclarecendo o próprio processo no mundo literário:

Dizem que sou romancista e que fui a primeira mulher moçambicana a escrever um romance (Balada de amor ao vento, 1990), mas eu afirmo: sou contadora de estórias e não romancista. Escrevo livros com muitas estórias, estórias grandes e pequenas. Inspiro-me nos contos à volta da fogueira, minha primeira escola de arte. Nasci em 1955 em Manjacaze. Frequentei estudos superiores que não concluí. Actualmente vivo e trabalho na Zambézia, onde encontrei inspiração para escrever este livro.

A discussão acerca do sistema poligâmico presente em Niketche é, ainda que foco dessa obra, apenas um primeiro exemplo para o leque de questões levantadas nos livros da moçambicana. O racismo, a guerra, a problemática do colonialismo e os costumes marcadamente patriarcais colocam em voga a realidade do país e, em destaque, a vida da mulher no meio social.

Paulina Chiziane, escritora?

Frequentemente, nas entrevistas, Paulina recusa o título de romancista. Ela deixa claro que prefere estar livre de rótulos para, assim, agir e escrever sem regras. Apresenta-se como contadora de histórias e expõe seu principal interesse: contar aquilo que sabe e ouve, dar alguma voz às discussões ainda não estabelecidas e tão necessárias, passar à frente o que presencia em seus caminhos. A figura da escritora, aliás, mesmo apenas em vídeo, deixa vislumbrar uma fonte de conhecimento intuitivo, afastado de academicismos e ligado à terra e à espiritualidade.

Dessa forma, o lirismo surge amparado principalmente pela forte oralidade das narrativas. Ele favorece a expressão dos personagens com o uso de metáforas, alegorias, reflexões de cunho filosófico e atenta reprodução da subjetividade humana – envoltas em uma atmosfera de sabedoria ancestral.

Enfim, nos livros de Paulina Chiziane, antes mesmo do enredo de testemunho e denúncia, o que se encontra é um símbolo de força: a poética da realidade na literatura feita por mãos de mulher africana.

 

Referências:

CHIZIANE, Paulina. Niketche: uma história de poligamia. 3. ed. Lisboa: Editorial Caminho, 2002.

MACÊDO, Tania. Da voz quase silenciada à consciência da subalternidade: a literatura de autoria feminina em países africanos de língua oficial portuguesa. In: Mulemba – UFRJ, Rio de Janeiro, n. 2, p. 4-13, jun. 2010. Disponível aqui

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Algumas entrevistas com a escritora:

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