Pequeno manual para quem pretende ler Saramago

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Pequeno manual para quem pretende ler Saramago

Obviamente, isto está muito mais para um “sugestionário” que para um manual. A arte não respeita regras, mas aceita dicas.

Tratando-se de nosso único escritor de língua portuguesa que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura – não que isso garanta a alguém um lugar no Olimpo –, sempre é válida a reflexão, a ironia e tudo mais que vem de brinde nos livros deste gênio.

Por onde eu começo? O primeiro livro que li dele foi Ensaio Sobre a Cegueira, mas a alguém que pretenda começar a ler o autor português, eu não indicaria esta obra. Primeiro vou justificar o porquê, para depois sugerir outros títulos. Na minha concepção, Saramago tem dois tipos de obras, ou duas linhas de histórias: 1) Obras de reconstrução histórica, propondo uma releitura de episódios importantes da humanidade, como em suas polêmicas recontagens bíblicas; 2) Obras de temas especulativos, onde é proposta uma situação extrema e exposto o que aconteceria (Ficção científica?). Dito isto, afirmo que da primeira linha do autor, eu recomendaria que se começasse por Caim, a recontagem irônica de Saramago sobre o famoso personagem bíblico. Da segunda linha, eu recomendaria que se começasse por Intermitências da Morte, que pode ser resumido na primeira frase do livro: “No dia seguinte ninguém morreu”. Ensaio Sobre a Cegueira é um pouco mais pesado que estes dois que recomendei.

Vou conseguir ler um texto sem aspas, travessões e, quase, sem parágrafos? Fiquei tentado a responder com um clichê “que depende de cada uma”, mas realmente não é isso que penso. Sim, você consegue. No começo vai estranhar, digamos que no máximo por umas trinta páginas, porém depois se torna tão natural que, ao pegar livros de outros autores, parece que toda a sinalização gráfica é desnecessária. Contudo, isto nos leva a uma segunda pergunta, por que ele escreve desta forma? Lembro-me de ter visto em uma das entrevistas que Saramago concedeu ao Roda Vida, onde ele disse que numa conversa não se existem tantos parágrafos… Simplesmente se fala e no momento seguinte o interlocutor já retoma, e assim por diante. É incrível como ele realmente consegue aplicar isto ao texto. Quando se lê seus livros, sabe-se quem está falando o quê; mesmo a fala estando no meio do texto.

Por que eu deveria lê-lo? Esta é a hora do argumento final? Ok, produção. Eu poderia listar uma série de motivos, ele ter ganho o Nobel, a revolução estilística, entre outros. Mas sabe onde o Saramago me prende? No fato de ele ser um grande contador de histórias. Sempre que o leio, sinto-me perante um ser humano gigante, que guia as palavras para através da sensibilidade me fazer compreender um pouco mais da alma humana. Não é uma questão de ser um “fã cego”, pois eu confesso que já desisti de um livro dele – Todos os Nomes, para os curiosos -, porém é sim o sentimento de estar a ver e aprender algo de diferente. Existe ali algo a ser dito, e eu sei que preciso ler/ouvir.

Encerrando esta tentativa de oferecer alguma luz a quem pretende ler Saramago, preciso afirmar que tenho como meta pessoal, ler todos os livros deste autor. No entanto, embora eu seja um apaixonado pela “literatura saramaguiana”, penso que cada um deve buscar se encontrar nas palavras dele. Seja em Ensaio Sobre a Cegueira, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Intermitências da Morte, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Caim, Objecto Quase ou qualquer outro, sempre se pode fazer uma incursão por este universo.

E você, que dicas daria a alguém que pretende ler Saramago? E se ainda não leu, quais as suas expectativas?

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