O Evangelho de Sangue, de Clive Barker, não é uma boa nova
O Evangelho de Sangue é a nova obra de Clive Barker, conhecido pela franquia de filmes Hellraiser, criada a partir de um de seus livros. A publicação de mais um livro dos cenobitas infernais em terras brasileiras é uma boa nova, pena que dessa vez o resultado não foi.
O livro começa bem, com seu prólogo sangrento o bastante para fazer o livro ‘gênese’ da saga, publicado no Brasil em 2015, parecer brincadeira de criança. É como se a gente estivesse na cena vendo tudo acontecer diante dos nossos olhos, e não tem reação diante do horror – talvez a experiência de termos essas cenas narradas internamente, graças à leitura, as torne mais repugnantes do que suas versões cinematográficas. Nesse aspecto temos puro Clive Barker.
Mas a evisceração literária não basta para prender alguém no enredo, e o excesso dela pode cansar. A história realmente começa quando acompanhamos Harry D’Amour, um policial de Nova York que parece sufocar alguma sensação dentro de si. Se fosse apenas a ida-e-volta entre banalidades e pancadarias de seu cotidiano, ele aceitaria com doses de inércia e uma distração qualquer, mas isso não basta para conter o que ele sente, menos ainda para segurar o inferno com o qual se depara páginas adiante.
Parte dos problemas dele são causados por Pinhead, o cenobita mais conhecido da franquia – nossa simpática cria pálida com espinhos enterrados na cabeça, sem pudor de esfregar na humanidade a pose de ‘te mato quando eu quiser’ invocando suas correntes do limbo. Pinhead tem uma história própria que também acompanhamos, segue sozinho em sua peregrinação, enfrentando a burocracia do inferno e comprando briga com qualquer demônio que se impor sobre si. Seu objetivo se revela lentamente para nós, e fica claro que atender humanos tediosos buscando saciar o hedonismo pela graça infernal está longe de seu foco, cujas exigências não são atendidas pelo mero uso – e principalmente descarte – de uns reles humanos.
Embora seja um dos protagonistas e sua história se cruze com a do policial Harry D’Amour, não é exagero dizer que o livro é do cenobita. O humano tem sua importância na trama e até seus prós, apresentados quando interage com suas companhias, gradativamente apresentadas (embora seja fácil ter a impressão de que um personagem ou dois a menos fariam bem) – um deles é o humor involuntário na base do desrespeito mútuo -, mas a participação detetivesca e acidental dele é ofuscada sem esforço pela narrativa desumana.
Aqui está um dos contras desse Evangelho. Há momentos em que a ida-e-volta de capítulos entre Pinhead e D’Amour parece uma porta giratória de personagens, narrada com mutos adjetivos que cansam rápido e uma coleção de fizera, fora e outras palavras traduzidas que atrapalham a espontaneidade do texto. Este, por sua vez, incomoda pelo excesso: não de sangue – é Hellraiser, afinal – mas de personagens, de cenas e de narrativa; muitas partes do enredo parecem estendidas de propósito, como se a imposição descritiva bastasse para torná-lo atraente. O livro poderia ter cerca de 50 páginas a menos e não fariam falta. Fica difícil entender o que aconteceu com Clive Barker nessa obra, pois seu livro Hellraiser mostra como ele sabe escrever uma obra empolgante do início ao fim, seja ela mais modesta, menos pomposa e até menos visceral do que este Evangelho de Sangue.