Resenha: José e Pilar – Conversas Inéditas – Miguel Gonçalves Mendes

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O livro José e Pilar – Conversas Inéditas, de Miguel Gonçalves Mendes, publicado pela Companhia das Letras, é da medida exata para os fãs do único escritor de língua portuguesa a ganhar o Nobel de Literatura, pois alimenta a curiosidade de quem deseja saber mais; além de funcionar como uma espécie de isca para quem ainda não mergulhou no “universo saramaguiano”.

Nesta obra, o jornalista Miguel Gonçalves Dias apresenta conversas íntimas que teve ao entrevistar José Saramago e sua esposa Pilar Del Río. Confesso que achava difícil que pudesse gostar ainda mais da obra de Saramago, mas a austeridade do casal e principalmente a Pilar, que eu nunca havia procurado conhecer mais a respeito; fizeram-me ainda mais fã do escritor e agora de sua esposa.

As perguntas do jornalista esquadrinham o dia a dia do casal a partir de sua vivência em Lanzarote e suas andanças pelo mundo. A variedade temática reflete a multiplicidade de ideias dos dois, passando por campos diversos, vide citações abaixo:

Como a anarquia, Pilar:

“E toda vez que alguém esgrime uma bandeira, inclusive nos jogos de futebol, isso me repugna. Acho um absoluto horror este uso patrioteiro de símbolos que, no final, nada significam. Que não são nada mais que um logotipo, ou seja, toda vez que olho as pessoas exaltadas e emocionadas com logotipos, me parece ridículo ou patético! Essa é minha formação sentimental e nisso milito”. (pg. 33)

Sobre a inspiração, Saramago:

“Se a tudo o que nos passa pela cabeça ao longo do dia chamamos inspiração, então somos todos uns inspirados, e talvez sim, talvez seja verdade. Agora, para um certo trabalho, nem tudo o que passa pela cabeça serve, e aquilo que me parece a mim é que o escritor, o artista percebe, não sabe como, que uma idéia que lhe passou pela cabeça pode ser transformada numa obra e agarra-a. Agarra e a partir daí trabalha… quer dizer, às vezes tem que reconhecer que se enganou e então deixa-a ir…”. (pg. 145).

Sobre o romantismo, Pilar:

“O romantismo é essa coisa que fez chorar milhões e milhões de mulheres à noite quando estão na cama com o travesseiro. Isso é o romantismo. O romantismo é essa coisa que a transformou em tuberculosas para serem pálidas. O romantismo é o que impediu viver o momento em função de um futuro hipotético. O romantismo é uma das maiores atrocidades que inventaram, imagino que os homens, para que as mulheres sofressem e padecessem. Detesto o romantismo”. (pg. 99).

Sobre Pilar Del Río, a força e a veemência – expressão muito usada no texto no que diz respeito à Pilar – com que atua em tudo que faz, contrasta com o reflexivo Saramago, que também acaba por ser forte à sua maneira.

Temas polêmicos e fortes opiniões são tratados de forma simples e diretas neste livro, mais uma vez, mostrando que por trás do grande escritor havia todo um aparato crítico e ideológico que sustentava sua literatura de apelo humanista.

Para encerrar, deixo uma das falas de Saramago que achei genial e espero que faça a vocês um sentido tão simples e profundo como fez a mim.

“Às vezes dou um conselho aos escritores mais jovens, digo-lhes: “Não tenhas pressa e não percas tempo”. Parece uma contradição, mas não é. “Ah, e isso como se faz?”Pois não ter pressa, não acreditar que qualquer coisa que se faça é genial. E usar o tempo de modo a que um dia possa aquilo que se fez dar uma satisfação tão completa quanto possível”. (pg. 149).

José e Pilar – Conversas Inéditas, de Miguel Gonçalves Mendes. Companhia das Letras, 208 páginas.

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