O ficcionista não deve relevar as fontes de inspiração que estão atreladas ao seu histórico pessoal. No caso, o tio-avô da autora, que na década de 1930 inventou um controle remoto, é o inspirador do personagem Roselano Rolim. Nascido em Cajazeiras, PB – mesma cidade onde viveu o tio-avô da autora – o personagem é também inventor, e apaixonado por astrofísica e Einstein.
Esses elos estão revelados nas orelhas do livro. Não há nenhuma indicação de revelação entre o pessoal e o ficcional ao longo da narração. A única revelação, e sem importância, é de que o foco da história (o subtítulo do livro é Einstein no Ceará) se passa no Ceará, e, Ana Miranda, é cearense.
Mesmo que o vivido pelo ficcionista esteja entranhado em sua prosa, é necessário que ele nunca revele esse segredo, que seja sempre um segredo que procure esquecer. E que, como numa doença de Alzheimer, esqueça de fato. O ideal é falar do vivido como não tivesse vivido, como se não passasse de ficção.
E, apesar do pequeno revelar das orelhas, Ana Miranda faz isso com precisão. É impossível saber o que está historicamente ligado a ela na história. Tirando a fonte de inspiração para o personagem central, certamente tudo mais é ficção.
Ficção ponto. Pois neste livro a escritora nos mostra que se é preciso pesquisar para escrever ficção, mais ainda é para escrever ficção histórica. Ela se saiu bem no aclamado romance Boca do Inferno, onde romanceia a vida do poeta Gregório de Matos; e tão bem quanto nesse novo, que reconta a comprovação da Teoria da Relatividade, de Einstein, na cidade cearense de Sobral quando do eclipse solar em 29 de maio de 1919.
As orelhas trazem também um pequeno texto assinado por Marco Lucchesi. Nele, Lucchesi chama atenção para o equilíbrio entre poesia e ciência. Há sim, essa mistura: O único amigo de Roselano, o poeta Lúmio Xerxes, que em diálogo com o amigo, compara um dos pontos básicos da teoria da relatividade com a poesia; a paixão de Roselano pela professora Maria do Céu e por Sabina (embora menos platônica), que confeccionava chapéus, embota muitos trechos da narração de poesia; e mais algumas construções poéticas com o fim de estreitar a dicotomia entre a poesia e a ciência.
Aliás, no que diz respeito ao poeta Lúmio Xerxes, sua forte relação com o protagonista amante da ciência e inventor, é uma maneira da autora acentuar o paralelo dicotômico.
Mas a relação poesia-ciência não é a tônica maior da obra. O relato histórico e a pesquisa acurada é que dão o brilho mor ao romance. Os capítulos que contam a história dos cinco eclipses solares ocorridos no Brasil de 1853 a 1912, e as passagens onde o protagonista (Roselano Rolim é o narrador do romance) explica em linguagem simples (didática para leitores leigos no assunto) a teoria da relatividade de Einstein, ilustram exemplarmente o que digo. A ponte poesia-ciência adorna a intensidade do brilho do volume.
No capítulo Reuniões de bruxas, Roselano Rolim imagina como deve ser o mundo científico: “O que era o mundo da ciência? Provavelmente uma comunidade de sujeitos meio loucos, ricos, formados em universidades, engalfinhando-se em busca de alguma inovação, ciumentos de seus avanços, alguns com interesses meramente pecuniários ou movidos por uma vaidade incontrolável, em jogos de ressentimentos, falando mal uns dos outros, divididos em confrarias inabaláveis, discutindo como nas reuniões de bruxas, luminares solipsistas brilhando numa infeliz desolação, decerto a maioria era assim, com seus pincenês e trajes meticulosos, alguns resolutos, irredutíveis, conservadores e formais.”. É espantosa a semelhança com o mundo literário.
Creio que pelo tema científico que a história encerra há um grande número de palavras de significados difíceis. Palavras como: andaina, periélio, catenária, geodésica, hieranose etc. Fazendo o leitor recorrer ao dicionário, o que é salutar.
Sendo a pesquisa histórica (vale notar a bibliografia da obra) o ponto alto. Algumas considerações entre ciência e literatura (quase todas ligadas à poesia) poderiam ser cortadas. E até capítulos suprimidos.
A riqueza da pesquisa é proporcional à inventividade, à urdidura da trama. O desfecho deixa a desejar, mas não compromete a originalidade do romance e sua bela estrutura.
O peso da luz – Einstein no Ceará
Ana Miranda
Armazém da Cultura
248 Págs. / R$ 40