400 anos depois da morte do dramaturgo, ainda podemos ver a sua influência na nossa literatura
A dramaturgia de Shakespeare foi tão importante na história artística da humanidade, que os seus ecos já muito ressoaram – e ainda ressoam – na arte brasileira. O autor foi redescoberto pelos românticos no século XIX, ainda que a classe artística tupiniquim lesse suas obras diretamente no inglês, já que a primeira tradução integral (para o português brasileiro) de uma peça de Shakespeare só foi publicada em 1933.
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De acordo com Marcia Martins, no artigo Shakespeare no Brasil: Fontes de Referência e Primeiras Traduções, o teatro shakespeariano atracou nas terras brasileiras em 1835, por meio de apresentações de companhias estrangeiras. Todas as peças encenadas eram de traduções portuguesas feitas do frânces ou do italiano, geralmente as pátrias dos atores. As primeiras traduções em português do Brasil foram feitas a pedido de João Caetano, reconhecidamente pai do teatro brasileiro, que foi o ator pioneiro a interpretar os personagens shakespearianos.
Alguns escritores brasileiros se ocuparam de traduzir o dramaturgo para o português, como Machado de Assis (o célebre solilóquio de Hamlet, publicado em 1873) e Olavo Bilac. Contudo, essa influência não se limitou às “transcriações” – utilizando o termo do essencial tradutor Haroldo de Campos –, uma vez que as obras da nossa literatura foram profundamente marcadas pela poética do inglês.
O próprio Machado só se tornou o nome revolucionário da literatura brasileira devido à importantíssima contribuição dramática aos seus romances. Ronaldes de Melo e Souza, no livro O Romance Tragicômico de Machado de Assis, disserta sobre essa peculiaridade machadiana, na qual “o narrador assume o papel do dramaturgo” (SOUZA, 2006, p.87), por trazer ao gênero romanesco tradicional uma novidade: o drama de caracteres, traço dramatúrgico. Dessa forma, “a inserção do mecanismo estrutural do enredo dramático na trama de efabulação romanesca constitui a revolução fundamental a que Machado de Assis submeteu a tradição narrativa brasileira” (SOUZA, 2006, p.87).
São claros, diretamente citados, os reflexos shakespearianos na obra machadiana. Em seu segundo romance, A Mão e a Luva, a governanta inglesa cita uma de suas peças: “bem está o que bem acaba, disse um poeta nosso, homem de juízo” (ASSIS, 2005, p.34). Além disso, Estêvão, o advogado romântico, vai ao teatro assistir Otelo e aplaude fervorosamente – assim como o futuro Bento Santiago. Aliás, é em Dom Casmurro que essa referência a Shakespeare se torna mais clara: o tempo todo – no próprio nome do personagem, Santiago – a trama se volta para Otelo, reproduzindo o quadro do marido enlouquecido de ciúmes.
E não é apenas o maior escritor da nossa terra que lê o dramaturgo inglês. Álvares de Azevedo pega emprestada a binomia de A Tempestade, materializada em Ariel e Calibã, para formar a estética de sua obra mais famosa, Lira dos Vinte Anos. No prefácio à segunda parte, o eu-lírico diz: “Quase que depois de Ariel esbarramos em Calibã. A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa binomia. Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces” (AZEVEDO, 2005, p.101). Portanto, a intertextualidade shakespeariana é imprescindível para a construção formal da obra, principal representante do ultrarromantismo brasileiro.
Claro que ocupei-me de apenas esboçar a influência de Shakespeare nos brasileiros, citando alguns exemplos já clássicos na nossa historiografia literária. Mas e você? Conhece algum eco shakespeariano na literatura brasileira? Conte pra gente nos comentários!