Romance que garantiu Aline Bei vitória na categoria “Melhor Livro do Ano” do Prêmio São Paulo de Literatura, resenhado por Bruno Soares dos Santos.
“aquela casa estava disposta
a ser a última
do mundo”
Em meados de 2018, leitores que se interessam por literatura brasileira começaram a receber, na caixa de entrada do Facebook, uma mensagem simpática de uma jovem escritora avisando que acabara de lançar o primeiro romance e que o estava vendendo por conta própria nas redes sociais. Tanto para os que decidiram comprar o livro como para os que simplesmente ignoraram a mensagem, aquela provavelmente não era a última vez em que ouviriam falar de sua autora, Aline Bei.
O romance “O peso do pássaro morto” foi lançado por uma pequena editora paulista, a Nós, e não foram poucas as pessoas que o conheceram somente por conta do trabalho incansável de divulgação da própria autora. Ainda assim, a história conseguiu chegar ao Prêmio São Paulo de Literatura, um dos mais importantes do país, vencendo na categoria “Melhor Livro do Ano – Estreantes com menos de 40 anos”. O reconhecimento posicionou Bei como um dos nomes promissores da nova literatura brasileira e ajudou a dar mais visibilidade a um romance que, apesar de merecer atenção, tinha tudo para ser pouco lido.
Em menos de 200 páginas, o “pássaro” narra toda a vida de uma mulher marcada pela violência, a solidão, e, acima de tudo, pela perda – indo desde sua infância até a morte. Apesar de não se tratar de um livro de poemas e sim de um romance, a história é toda quebrada em versos. O recurso é usado aqui para salientar a passagem rápida do tempo, como se o leitor fosse testemunha dos dias de alguém que, de uma hora para outra, deixa de ter a vida toda pela frente e passa a se lembrar de um passado distante como se fosse ontem. É ainda como se algo sempre faltasse à narradora-protagonista, que não tem direito nem às palavras para contar a própria história.
Apesar de tratar de temas densos, como estupro, maternidade e morte, a leitura é rápida, leve, e tem um tom doce, com a dose certa de ingenuidade. Todas essas escolhas da autora ajudam a dar forma ao texto, que entrega com sucesso o aspecto ambíguo e complexo da vida, enquanto brinca com a impossibilidade de expressá-la em palavras.
Em muitos sentidos, “O peso do pássaro morto” é também um livro sobre resistência. Isso fica claro especialmente em uma de suas últimas imagens – uma casa que se recusa a ser demolida. É simbólico, então, que tenha tido a trajetória que tem, saindo de uma divulgação sem muitos recursos, no velho estilo boca a boca, para algumas das premiações mais respeitadas do ramo.
O livro e a maneira como veio ao mundo mostram que Bei é uma escritora corajosa. Apesar de este não ser o primeiro romance em versos de que se tem notícias, a autora decidiu tratar de temas espinhosos usando um formato diferente, que não segue receitas de bolo, e poderia ter afastado alguns leitores desavisados por acharem se tratar de poesia. É bom saber que a literatura brasileira tem novos nomes sem medo do risco e da exposição. Agora é esperar que tenhamos mais bons textos de Bei em um futuro breve.