Como funcionava a dramaturgia no rádio

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Como funcionava a dramaturgia no rádio

Dramaturgia no rádio e roteirosNum agosto, houve minha estreia no rádio.  Deixara o magistério e, orientado por Ghiaroni, um dos maiores novelistas do país, consegui emprego de roteirista na rádio Bandeirantes. Na época, a função era chamada de “redator”.   A primeira dificuldade foi encontrar roteiros de dramaturgia no rádio para me orientar.  Minha base foram scripts antigos e alguns livros em espanhol.  Nas culturas alemã e hispânica, o rádio tem relevância e há interesse me estudar a produção desse veículo.  As primeiras novelas radiofônicas que chegaram ao Brasil tinham origem em Cuba.

A outra dificuldade foi enfrentar o preconceito com o rádio AM que era considerado um veículo menor.  Quando descobriam que eu trabalhava em rádio, perguntavam: “AM ou FM”.  AM: do inglês “amplitude modulation” e FM: Frequência Modulada.  Na época as FMs eram restritas a um público considerado de elite e, embora já existissem aparelhos com a opção de FM, o AM era mais popular.  Ao revelar que trabalhava em AM, diziam sempre que a empregada da casa ouvia ou que, tinham entrado num táxi, e o taxista estava ouvindo uma AM.  Por isso, até hoje, sou grato a duas categorias profissionais pela audiência que me deram: empregadas domésticas e taxistas.

Num texto, precisei de um depoimento de uma criança porque a experiência que a personagem teve na infância seria importante para desvendar o comportamento que adotara agora quando estava na idade adulta.  Nunca gostei de adulto interpretando criança que sempre me pareceu caricato.  Como fazer então?  A ideia foi a seguinte, uma volta ao passado, com a personagem adulta narrando o que acontecia com ela ainda criança.  Saiu assim:

Técnica: passagem de tempo

Atriz adulta: Eu me vejo entrando na casa e percebendo meu pai bêbado.   E eu falei com ele que não aguentava ver todo dia naquele estado…..”

E lá ia a personagem contando a experiência de ver o pai bêbado.  Descobri o truque de carpintaria radiofônica sozinho e usei muito quando precisava de fases diversas da vida de algum personagem.  No rádio, muita solução surgia assim, da experiência.  Também ouvi o mesmo em relação à tevê.  A aprendizagem, principalmente, da produção se fazia na prática porque as escolas ainda não existiam.  Havia a dramaturgia do teatro, do cinema e dos textos literários.  Mas nem sempre funcionavam e a percepção do radialista era fundamental.

 

Como organizava esses roteiros de dramaturgia no rádio

Com o tempo, pude organizar a linguagem dos roteiros e tinha uma base adequada para que atores e sonoplastas pudessem se orientar.  Abaixo, um exemplo de roteiro:

“Técnica: vinheta

Narrador(apresentando): Boa noite.  Vou levantar a bola para você.

Ator (na deixa): Boa noite..  Levanta que eu chuto.

Comunicador: E aquele presidente de uma ONG confirmou que o pastor da igreja dos Últimos dias tem uma visão sobre uma pessoa e essa pessoa morre com um tiro uma semana depois.

Ator: Se ele é bom de visão, não sei.  Mas – se isso for verdade – o pastor é bom de mira, hein?

Comunicador (admirado): Mas o que dizer sobre isso?!

Ator (na deixa): Ele é pastor da Igreja dos Últimos Dias.  Portanto, se não é o fim do mundo… são os últimos dias….

Comunicador: Presidente do Brasil teve um encontro reservado com dirigente americano e  teria falado sobre espionagem que sofreu dos Estados Unidos.

Ator: Quando o presidente chegou na  frente do americano, ele disse: “Não precisa falar nada.  Já me contaram tudo o que você disse que ia me dizer.”

Comunicador: Você conseguiu gravar uma conversa telefônica no Planalto?

Ator: Consegui. (para o operador) Solta a gravação aí, por favor. (toque de telefone) ‘Alô, presidente?” (voz em filtro de telefone com sotaque americano) “Pode falar que a gente estamos ouvindo!”

Comunicador (encerrando): Eu só levantei a bola.

Ator (encerrando): Levanta que eu chuto!

Encerramento vinheta cai em Bg”

BG é Background, efeito quando o som vai sumindo devagarinho.

A carpintaria do rádio ainda pode ser encontrada na televisão e nas mídias que surgem a todo instante com o avanço da Internet.  Tenho uma convicção: o roteiro escrito é fundamental no produto final auditivo ou visual.  É um engano achar que se pode fazer rádio no improviso.

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